Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


sábado, 25 de julho de 2009

Sebreli - Esse Cara Virou Meu Ídolo



Foi no Diário Gauche desta semana que tomei conhecimento da existência do sociólogo Juan José Sebreli . Ele deu uma entrevista ao caderno de cultura da ZH de hoje. Pinço os seguintes trechos:
A religião cívica pode ser democrática e pode ser autoritária. Aqui, na medida em que essa religião cívica não se fundamentava em instituições, em leis, e sim em indivíduos e nomes, levava inevitavelmente ao autoritarismo. Não conheço bem a questão da religião cívica estadunidense, mas imagino que lá se assentou no aspecto das instituições. A prova está em que não houve ditadores nos Estados Unidos, coisa que foi tradição na Argentina.
Provavelmente não estaria mal termos uma religião cívica, quando centrada na criação de cidadãos respeitadores da lei, mas aqui se criou uma religião cívica de patriotas que reverenciam super-homens, os que realmente fariam a história. Não se ensina às crianças e aos jovens que eles mesmos deveriam ser responsáveis pela sociedade, e sim que eles devem respeitar e seguir a esses grandes homens que são os próceres, os grandes vultos.Sim.
Uma sociedade como a que eu quero para o meu país, democrática, baseada em homens livres, iguais e responsáveis pelo próprio destino é, sem dúvida, uma sociedade sem ídolos caracterizados por qualidades extraordinárias que levam ao autoritarismo. Nós os conhecemos, são os líderes carismáticos. Eles são um obstáculo à democracia.
Chávez é um exemplo paradigmático de líder carismático, mas eu não falo de esquerda. Não creio que Chávez seja de esquerda, ele é populista, e o populismo oscila entre esquerda e direita segundo os momentos e a conveniência. Chávez é algo bastante parecido ao que tivemos aqui na Argentina com Perón. Creio que o que há de mais parecido com democracia na América Latina seja indubitavelmente Chile, Brasil, Uruguai. No Brasil as instituições predominaram sobre os personagens carismáticos. O Brasil teve um personagem precursor de Perón: Vargas. No entanto, hoje, no Brasil, Vargas é um personagem para a história. Nenhum partido político o reivindica. Aqui na Argentina continua-se falando de Perón como um guia, e ele governou há mais de meio século, em um mundo e em uma sociedade completamente diferente, que desapareceram.
Sim, não nego que, dentro de uma sociedade democrática e política sempre vai haver personalidades que se destacam mais do que outras, mas devem sempre estar subordinadas às instituições. Já se sabe que Lula não pretende buscar mais uma reeleição, o que ocorre nos países autoritários e populistas, como nos casos de Chávez e nos muito discutidos recentemente Honduras e Equador.
É o caso de todos os regimes que pretendem se perpetuar no poder, como queriam também de certo modo os Kirschner, e felizmente fracassaram.
Nosso país oscila entre a democracia e o populismo. Essa é a grande antítese atual. Não esquerda e direita, porque hoje elas se confundem muito. Não digo que sejam termos que não existem, porque enquanto houver duas correntes uma estará à esquerda em relação à outra. Mas hoje é confuso usá-los. De minha parte, prefiro dizer que a antítese fundamental na América Latina é entre a democracia e o populismo. O populismo representado, basicamente, por Venezuela, Cuba um pouco em decadência, Honduras, Nicarágua, Equador, de certo modo Bolívia. E a linha democrática seria Uruguai, Brasil, Chile, México. A Argentina oscila.
Não precisa falar mais nada, o cara virou meu ídolo.


Um homem contra os heróis


Critico do totalitarismo, o sociólogo Juan José Sebreli questiona e ataca nomes intocáveis da sociedade argentina

Ele provavelmente é um dos intelectuais mais incômodos e iconoclastas deste lado do sul do mundo, e ainda assim é provável que você não tenha ouvido falar dele. O sociólogo argentino Juan José Sebreli, libertário e crítico ferrenho de totalitarismos de ambos os matizes, vem a Porto Alegre como principal convidado da 4ª edição do Festival de Inverno de Porto Alegre, embora seus livros não tenham traduções em circulação e seu nome seja provavelmente menos conhecido por aqui do que o dos também convidados Martín Kohan e Ariel Schettini. O problema, claro, é nosso, não dele. Crítico ferrenho do estatuto das celebridades midiáticas, Sebreli vem a Porto Alegre falar (mal) de quatro personalidades com status de heróis intocáveis na sociedade argentina por si só afeita a heroísmos: Evita, Che, Carlos Gardel e Maradona, os quatro presentes em demolidoras análises em seu premiado estudo Comediantes y Mártires – como toda a obra de Sebreli, sem tradução no Brasil.

De sua casa em Buenos Aires, o escritor concedeu a seguinte entrevista, por telefone:

Cultura – O senhor poderia antecipar as linhas gerais de sua conferência no Festival de Inverno?
Juan José Sebreli – O tema é o mesmo de meu último livro, Comediantes y Mártires, ainda não conhecido no Brasil: o tema dos mitos. É um livro sobre o que são os mitos, historicamente, qual o lugar dos mitos e uma análise sobre argentinos que são também mitos mundiais, conhecidos no mundo inteiro. Escolhi falar de Carlos Gardel, Evita, Che e Maradona porque justamente são os únicos argentinos mundialmente conhecidos, como se pode comprovar nas menções encontradas na Internet.

Cultura – Na análise dessas quatro personalidades, o senhor critica seu status de mito. É uma crítica também ao culto de personalidades heroicas na história argentina?
Sebreli – Sim, creio que esse é um obstáculo para a democracia na Argentina. É algo que vem do século 19 e primeiro começou com o culto aos próceres, algo que interessava às classes dirigentes em um momento em que a maior parte da população dos centros urbanos era de estrangeiros.Frente à grande onda migratória que houve ao longo do século 19 e começo do 20, as classes dirigentes consideraram necessário nacionalizar essa massa. E teve impulso no ensino público algo assim como uma religião cívica, da qual fazia parte o culto dos heróis. As crianças foram educadas para crescerem e serem não cidadãos, e sim patriotas quase fanáticos. E no decorrer do século 20, com a aparição dos meios de comunicação, esses próceres foram suplantados pelos ídolos surgidos desses meios.Gardel e Evita surgem assim. E Maradona obviamente é um homem de mídia. Hoje não se pode mais falar em futebol, e sim em telefutebol. A imensa maioria das pessoas só vê o jogo pela TV. E Maradona é um fenômeno a tal ponto televisivo que há anos não joga e segue sendo um divo, aparece permanentemente. O fenômeno dos meios de comunicação foi, durante o século 20 e continua sendo no 21, decisivo para a criação dos mitos modernos.

Cultura – O fato de esses ídolos serem figuras próximas e imperfeitas facilita essa entronização no panteão popular?
Sebreli – Há um processo psicológico dúbio e contraditório, de identificação e de projeção. A massa se identifica com esses ídolos na medida em que a maior parte deles foram muito pobres, ou tiveram uma infância infeliz, passaram por dissabores, o que permite a identificação do povo com eles. Mas ao mesmo tempo esses mitos, depois de passar por todas essas infelicidades, misérias, humilhações, chegaram ao ápice do prestígio, da fama, da glória, até mesmo do dinheiro. E aí se coloca a projeção. São dois movimentos que parecem contraditórios, de identificação com os aspectos dolorosos que podem ter vivido em algum momento de sua vida e ao mesmo tempo por haver triunfado sobre eles, ascendido à luz deslumbrante são o que provocam essa adoração. O ídolo é alguém como nós, mas ao mesmo tempo é o que chegou aonde não pudemos chegar.

Cultura – O senhor usa o termo “adoração”. A massa santifica o mito?
Sebreli – Sim, é uma forma de religião. Os líderes totalitários e autocráticos formam uma espécie de religião política, isso é óbvio e já foi dito. E esses ídolos dos quais falei fundaram a seu modo uma espécie de credo idolátrico, ao ponto de lhes pedirem milagres. As pessoas pedem graças a Che Guevara na Bolívia. No lugar em que ele morreu há uma espécie de altar, apesar de ele haver sido ateu. As pessoas vão lá, levam flores e lhe pedem milagres. O mesmo acontece com Evita e Gardel e outros ídolos argentinos que certamente também são conhecidos no Brasil, como Rodrigo Bueno, um cantor “bailantero” que morreu em um acidente, muito jovem, ou uma cantora de rock chamada Gilda. E em seguida o lugar da morte se converte em um altar aonde as pessoas vão, deixam ex-votos, objetos. Há também santos rurais. No interior, no campo, está cheio de altares de gente que foi santificada. Confunde-se uma mentalidade religiosa mágica, com adoração da imagem.

Cultura – O senhor identificou características comuns nesses ídolos, como a infância pobre e a ascensão social. Mas essa moldura não se encaixa no perfil do Che.
Sebreli – Sim. O Che tem, indubitavelmente, algo distinto dos demais. Para começar, os outros três vêm das classes populares. O Che pertencia ao que se poderia chamar de aristocracia, ou oligarquia, como se chamava aqui na época. Mas ele fazia parte de um ramo pobre dessa classe alta. Seus pais eram pobres, não tinham dinheiro. Tinham algum prestígio pelo sobrenome, pelas conexões com a classe alta, e todas as relações dele foram com gente de classe muito alta durante a infância, a adolescência e a primeira juventude. Mas, ao mesmo tempo, não tinham dinheiro, o que já era conflito, ao qual se agregava a asma, que o punha a cada momento às portas da morte. A infância dele também não foi de nenhuma maneira harmoniosa: conflitos familiares, os pais separados, ele não se dava bem com o pai. As vidas dos mitos populares começam sempre problemáticas, com dificuldades. E como ele sempre havia vivido entre ricos e não havia podido ser um deles, criou para si uma espécie de ascetismo, ostentava sua modéstia, sua sobriedade, vivendo como um operário quando era ministro em Cuba. O caso dele é o de uma espécie de opção pela pobreza franciscana, como vocação.


Cultura – O senhor empregou a expressão “religião cívica”. É interessante porque há dois anos o historiador Robert Darnton, em uma entrevista antes de palestra em Porto Alegre, usou a mesma expressão. Mas para ele essa “religião cívica” era a base da sociedade norte-americana, e para o senhor é o contrário.
Sebreli – Claro. É uma situação diferente. A religião cívica pode ser democrática e pode ser autoritária. Aqui, na medida em que essa religião cívica não se fundamentava em instituições, em leis, e sim em indivíduos e nomes, levava inevitavelmente ao autoritarismo. Não conheço bem a questão da religião cívica estadunidense, mas imagino que lá se assentou no aspecto das instituições. A prova está em que não houve ditadores nos Estados Unidos, coisa que foi tradição na Argentina. Provavelmente não estaria mal termos uma religião cívica, quando centrada na criação de cidadãos respeitadores da lei, mas aqui se criou uma religião cívica de patriotas que reverenciam super-homens, os que realmente fariam a história. Não se ensina às crianças e aos jovens que eles mesmos deveriam ser responsáveis pela sociedade, e sim que eles devem respeitar e seguir a esses grandes homens que são os próceres, os grandes vultos.
Cultura – Para o senhor, então, a tradição é um elemento opressivo, e não agregador.
Sebreli – Sim. Uma sociedade como a que eu quero para o meu país, democrática, baseada em homens livres, iguais e responsáveis pelo próprio destino é, sem dúvida, uma sociedade sem ídolos caracterizados por qualidades extraordinárias que levam ao autoritarismo. Nós os conhecemos, são os líderes carismáticos. Eles são um obstáculo à democracia.
Cultura – Por esse ponto de vista, como vê a ascensão recente na América Latina de governantes carismáticos de esquerda?
Sebreli – Chávez é um exemplo paradigmático de líder carismático, mas eu não falo de esquerda. Não creio que Chávez seja de esquerda, ele é populista, e o populismo oscila entre esquerda e direita segundo os momentos e a conveniência. Chávez é algo bastante parecido ao que tivemos aqui na Argentina com Perón. Creio que o que há de mais parecido com democracia na América Latina seja indubitavelmente Chile, Brasil, Uruguai. No Brasil as instituições predominaram sobre os personagens carismáticos. O Brasil teve um personagem precursor de Perón: Vargas. No entanto, hoje, no Brasil, Vargas é um personagem para a história. Nenhum partido político o reivindica. Aqui na Argentina continua-se falando de Perón como um guia, e ele governou há mais de meio século, em um mundo e em uma sociedade completamente diferente, que desapareceram.
Cultura – Mas Lula também é um governante com carisma pessoal e com uma história de vida que se assemelha a essa que o senhor traçou como característica dos mitos: infância pobre, vitória pessoal sobre miséria e dificuldades...
Sebreli – Sim, não nego que, dentro de uma sociedade democrática e política sempre vai haver personalidades que se destacam mais do que outras, mas devem sempre estar subordinadas às instituições. Já se sabe que Lula não pretende buscar mais uma reeleição, o que ocorre nos países autoritários e populistas, como nos casos de Chávez e nos muito discutidos recentemente Honduras e Equador. É o caso de todos os regimes que pretendem se perpetuar no poder, como queriam também de certo modo os Kirschner, e felizmente fracassaram. Nosso país oscila entre a democracia e o populismo. Essa é a grande antítese atual. Não esquerda e direita, porque hoje elas se confundem muito. Não digo que sejam termos que não existem, porque enquanto houver duas correntes uma estará à esquerda em relação à outra. Mas hoje é confuso usá-los. De minha parte, prefiro dizer que a antítese fundamental na América Latina é entre a democracia e o populismo. O populismo representado, basicamente, por Venezuela, Cuba um pouco em decadência, Honduras, Nicarágua, Equador, de certo modo Bolívia. E a linha democrática seria Uruguai, Brasil, Chile, México. A Argentina oscila.Cultura – O culto dos mitos que o senhor analisa em Comediantes y Mártires é um braço do irracionalismo que o senhor também abordou no livro anterior El olvido de razón? É uma retomada do tema?Sebreli – Sim, meus livros, apesar das temáticas muito diferentes, seguem um fio condutor. Sempre me propus a lutar contra as concepções irracionalistas e a desmitificar os enganos ideológicos que lamentavelmente predominaram no século 20 e seguem predominando no século 21. Por exemplo, sobre Maradona eu escrevi em La Era del Fútbol, sobre o Che escrevi Las Ideas Políticas Argentinas, sobre Evita escrevi um livro que se chama Los Deseos Imaginarios del Peronismo e sobre Gardel escrevi Buenos Aires, Vida cotidiana y Alienación. São temas nos quais venho tocando há quase meio século e que volto a abordar com diferentes perspectivas e de maneira mais refinada, mais desenvolta. Sempre me comparo com Manet, que pintava permanentemente os mesmos nenúfares, mas que resultavam em quadros distintos.
Cultura – O senhor cita o gol que Maradona fez com a mão em 1986 contra os ingleses na Copa do Mundo como símbolo de um caráter argentino que não se conforma com as leis do jogo. O senhor vê semelhanças entre essa característica argentina e o Brasil, que também cultua o jogador “malandro” e o “jeitinho”?Sebreli – Não conheço bem o futebol brasileiro, então sobre isso não posso falar. Mas de qualquer maneira creio que entre os dois ídolos máximos, Maradona e Pelé, há diferenças. Pelé seguia mais as regras do jogo, e Maradona foi o transgressor por excelência. Nesse sentido, a glorificação da transgressão à lei é um defeito lamentavelmente argentino, na política, na vida cotidiana e no esporte, que reflete a vida real. A transgressão à lei é um dos nossos problemas fundamentais. O gol mais festejado de Maradona não foi feito dentro da regra, foi esse com a mão, uma trapaça. Não teve importância para ninguém que esse gol tenha decidido a partida com uma trapaça, ao contrário: diziam que se devia reformar as leis do esporte para que valesse. A que ponto se chegou. Maradona é um modelo muito negativo.
Cultura – Em La Era del Fútbol o senhor escreve sobre o futebol como elemento opressivo de alienação. Para o senhor o futebol é tão obstáculo à democracia quanto o culto aos ídolos?
Sebreli – Sim, porque os valores que o futebol exalta eu considero negativos. A violência, em um primeiro momento. Em todas as partes, e na Argentina especialmente, o futebol sempre foi violento. Outro valor é o nacionalismo, algo que eu considero nefasto. A xenofobia, o machismo, todos os valores que considero indesejáveis para uma sociedade livre, democrática e moderna.

Um comentário:

charlie disse...

Ih, vem de longe essa veia totalitaria da Argentina. Recentemente li Facundo, de Sarmiento, que trata da biografia deste caudillo, um sanguinario, e a subida ao poder de Rosas. Recomendo.