Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


sexta-feira, 31 de julho de 2009

Vozes do Totalitarismo




Certa esquerda adora gastar a voz e defender um controle da mídia. A Venezuela chavista é que adota essa receita de impor controle da mídia para calar a voz da oposição, como bem se sabe. Em qualquer pais socialmente desenvolvido não existe nenhum controle da mídia por parte de qualquer tipo de grupo político e governamental. O que é melhor: o controle político da mídia como ocorre na Venezuela chavista ou o controle "econômico" da mídia que ocorre nos países socialmente desenvolvidos? Controle político da mídia só ocorre nos regimes totalitários e sempre se direcionou para impedir o poder de crítica, enquanto que o controle "econômico" da mídia permite a crítica e a diversidade. Já pensou se no Brasil a mídia fosse controlada e tivesse de se calar acerca das picaretagens que ocorrem nos Detrans e Petrobrás da vida?

Cúpula da Cerveja




Juro que achei bem legal esse gesto do Obama de convidar para tomar uma cerveja o policial branco James Crowley e o intelectual negro Henry Gates Júnior que se envolveram, segundo dizem, em um conflito racista. A atitude demonstra extamente o que um governante deve fazer: ser convergente, resolver os conflitos da melhor forma possível. E com uma cervejinha. Um brinde ao Obama.


No último dia 16, leio na Folha, Crowley prendeu por conduta desordeira Gates, que, após voltar de viagem, não conseguiu abrir a sua própria casa na cidade de Cambridge, onde leciona na conceituada Universidade Harvard; Obama comentou o assunto em sua mais recente entrevista coletiva, na semana passada, chamando a ação policial de "estúpida".A intromissão executiva e a qualidade dos atores do incidente -Gates é um respeitado estudioso de raças; Crowley dá cursos antirracismo a seus colegas- foi o suficiente para reacender com vigor o debate racial de um país que, supostamente, tinha virado "pós-racial" desde a eleição de seu primeiro presidente negro.Ativistas negros reafirmaram o que chamam de tendência de discriminação racial da polícia. Comentaristas conservadores passaram a chamar o presidente abertamente de racista pela primeira vez desde a posse. Analistas progressistas registraram que, na esteira do incidente, renasceu com força o movimento dos que defendem que Obama na verdade nem seria americano.São os chamados "nascimentistas" ("birthers", no original), que apontam para a inexistência da certidão original de nascimento de Obama como prova de que ele não seria natural dos EUA e, portanto, não poderia exercer a Presidência. Desde o episódio Gates-Crowley, 11 representantes (deputados federais) correram a copatrocinar a chamada "Birther Bill".É com esse pano de fundo que nasceu a "cúpula da cerveja", um convite feito pelo presidente para que o professor e o policial se encontrassem na Casa Branca e superassem o ocorrido. "O termo é inteligente, mas isso não é uma cúpula", afirmou ontem Obama, que se disse "fascinado com a fascinação em torno dessa noite".Tratava-se apenas, disse, de "três caras" [na verdade quatro; Biden foi convidado de última hora] "bebendo algo ao fim do dia" e dando chance "de ouvir uns aos outros". O objetivo, afirmou, era baixar a temperatura de um evento "que se tornou tão simbólico", reduzir a raiva e promover a reflexão.O esforço pode ter sido em vão. Instados pelo instituto Pew a opinar sobre o episódio na última semana, 41% dos ouvidos acham que Obama lidou mal com a questão da prisão de Gates, ante apenas 29% que defendem a atitude do presidente. Além disso, a mulher que fez a ligação que deu origem à ocorrência reclamou de não ter sido convidada ao encontro, no que seu advogado sugeriu ser preconceito sexual de Obama.Manifestantes abstêmios em frente à Casa Branca protestavam pelo encontro ter sido regado a álcool. E fabricantes de cerveja locais chiaram por Obama ter escolhido beber uma Bud Light, hoje da multinacional belgo-brasileira Inbev (Biden preferiu a holandesa Buckler; Gates foi de Sam Adams Light, americana; Crowley tomou a canadense Blue Moon).

Instruções Básicas Sobre o Brasil


"Neguinho", o último exilado que voltou ao Brasil.

Carta ao último exilado



Depois de quase 40 anos vivendo na Suécia com identidade falsa, o ex-marinheiro Antônio Geraldo da Costa, 75, o Neguinho, desembarcou no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro, no último dia 21. Em vez de agentes da Polícia Federal prontos para prendê-lo, encontrou um emissário enviado pelo Ministério da Justiça para lhe dar as boas-vindas. Neguinho foi o último exilado a voltar.
Eu fui o primeiro, logo que o AI-5 acabou. Portanto, tenho 30 anos e meio a mais de experiência de Brasil do que o Neguinho, razão pela qual estou lhe encaminhando uma carta com algumas instruções básicas.

Companheiro Neguinho,Em primeiro lugar, muita calma. Se você for convocado para um ato secreto em Brasília, não se apavore pensando que é uma sessão de porrada ou choque ou para ser pendurado no pau de arara, como nos velhos tempos. Ato secreto pode ser o meio pelo qual um senador, que pesquisou e descobriu ser teu parente, está tomando as providências para lhe arrumar um emprego de, por exemplo, "encarregado professor adjunto de Nós Náuticos e diretor das Embarcações do Senado no Lago Paranoá", dada tua condição de marinheiro.
Outra palavra chave é "anistia". Se algum advogado chegar falando baixinho que você tem de "pegar tua anistia", não vá estranhar e responder, todo orgulhoso, que já está anistiado -embora isso seja tanto verdade que você está andando de um lado para o outro sem problemas. Não terá sido bem isso o que o doutor quis dizer. Essa expressão "pegar tua anistia" significa mesmo ganhar uma grana -e o doutor, claro, leva algum com isso. Tem jornalista que levantou 1 milhãozinho só porque, depois do golpe, perdeu um emprego que nem tinha nada a ver com o golpe.
Aliás, é pena que você tenha sido da Marinha, e não da Petrobras. Se você fosse da segunda, eu até iria sugerir que me convidasse para o churrasco em comemoração. Você nem imagina a grana que essa turma levantou. É bem mais preta do que o petróleo.
Mudou tudo, compadre. Agora nós é que estamos por cima. Ou melhor, só alguns de nós, uma meia dúzia, se muito. Exagerando, talvez um pouco mais. O resto continua pastando, inclusive o povão. "Povão" é o que a gente chamava antigamente de "massa atrasada".
O presidente Lula é o primeiro da lista. Há uns 40 anos, era torneiro mecânico. Depois entrou no sindicato como sub do sub, foi subindo, subindo... e não quis mais saber de outra vida. Fala qualquer coisa, parece entender de tudo e todo mundo acha graça. É um talento.
Outro é o José Serra. Foi presidente da UNE quando você era vice-presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, agora governa São Paulo e, de repente, pode ser eleito para a vaga do Lula.Tanto o Serra quanto o Lula têm o apoio daquela turma que queria ver a gente enforcado.
Mas, em vez do Serra, o Lula prefere a Dilma, outra ex-companheira. Essa você não conheceu, veio depois de nós, mas é esperta, menino, você precisa ver. Tem currículo para tudo. Precisa de guerrilheira? Ela tem. Torturada? Tem. Doutora? Também tem currículo. Nem sei como conseguiu fazer tanta coisa e mais ainda o serviço de casa.
Outros que foram da pesada e estão se dando bem são o Carlos Minc, que tem a chave da Amazônia, e o Franklin Martins, que tem a chave do cofre da mídia. Falando em cofre, toda essa turma "fez" o cofre do Adhemar. Esse item é parte importante do currículo. Pega bem porque, afinal, o Adhemar era tido como ladrão. E, pelo número de companheiros que "fizeram" o cofre dele, parece que aquilo nem foi assalto, mas um show da Madonna.
É, companheiro, as coisas mudaram. Quer um conselho: dá uma de Gabeira, faça como ele, que também veio da Suécia, e escreva um livro do tipo "O Que É Isso, Companheiros?" -"companheiros", assim mesmo, no plural-, sobre o que você está vendo de diferente, de estranho, e espere um pouco. De repente, você até se dá bem.
No ano passado, Gabeira quase se elegeu prefeito do Rio de Janeiro e agora já o convidam para tentar o governo do Estado. Enquanto nada disso acontecer, venha me visitar em São Sebastião, onde moro atualmente. Aqui tem peixe, pinga, porto e mulher bonita. Tudo de que a gente precisa. Tenho um barco velho com motor de caminhão que vivo reformando, mas dá para pegar umas garoupas e sororocas. Vamos fazer umas pescarias. E falar mal do governo, porque eu estou onde sempre estive: na oposição. Você sabe, Neguinho, o lugar de um homem que se preza é na oposição. Aquele abraço,

Carta de David Lerer , 71, é médico, ex-deputado federal pelo extinto MDB, cassado na primeira lista do AI-5, em dezembro de 1968, viveu exilado em países da América Latina, da África e da Europa, na Folha de hoje.

Sarneysses


Angeli




Iotti

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Esses Californianos


Shwarzenegger smoking joint

Tem um filme com a Jane Fonda - que baita atriz - em que ela mora num estado caipira como Idaho ou Wyoming, sei lá, e que recebe uma neta de Los Angeles que passa uns dias com ela na pequena cidade do interior. A neta tem costumes bem arejados para aquele vilarejo. E todos se espantam. O pessoal fica abismado com o comportamento liberal da jovem. E a Jane Fonda, constrangida, explica para suas vizinhas: She is from California!!!
Foi exatamente essa cena que lembrei quando li hoje na ZH a notícia abaixo...

Califórnia pode liberar maconha

Para ajudar a Califórnia, nos EUA, a sair do vermelho, o deputado estadual Tom Ammiano lançou uma proposta polêmica: liberar o consumo de maconha. O argumento é o de que, com a produção regularizada, o governo poderia taxar o produto e engordar a receita dos cofres do Estado em cerca de US$ 1,4 bilhão (R$ 2,66 bilhões) ao ano.Na Califórnia, o uso da maconha é permitido apenas para fins medicinais. Mas o projeto de Ammiano é mais audacioso: ele quer regulamentar o consumo – para maiores de 21 anos – e arrecadar impostos. A ideia seria cobrar US$ 50 (R$ 94,06) por onça de maconha (o equivalente a 28,35 gramas). Com isso, conseguiria dar um fôlego ao orçamento do Estado, que tem um déficit de US$ 26 bilhões (R$ 48,91).Por enquanto, Ammiano ainda não conseguiu convencer os colegas – o projeto foi engavetado, mas deve ser reapresentado. A maior parte dos deputados quer que a população seja consultada sobre o assunto em 2010. O próprio governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, pediu em maio um estudo sobre a legalização e a taxação da maconha:– Acho que devemos estudar cuidadosamente o que outros países estão fazendo para legalizar a maconha.No que depender da opinião pública, a polêmica está garantida. Uma consulta feita no Estado mostrou que 56% dos eleitores registrados apoiam a legalização e a taxação da maconha como uma maneira de contrabalançar o déficit no orçamento público. Recentemente, Oakland se transformou na primeira cidade californiana a cobrar impostos de produtos medicinais derivados da cannabis sativa.Dispostos a salvar as finanças, outros Estados americanos também têm oferecido ideias nada convencionais para aumentar a arrecadação. No Kentucky, por exemplo, uma nova legislação prevê a cobrança de impostos sobre os toques de celular.Los Angeles

quarta-feira, 29 de julho de 2009

A Patota do 'Não' se Organiza e a Turma do 'Sim' Cochila


Cartaz convocando a patota do sim para gravar depoimento no próximo sábado no Gasômetro.

Em agosto o governo do prefeito Fogaça, por incrível teimosia, vai realizar uma consulta popular para saber se a população organizada de Porto Alegre aprova ou não a construção de prédios residenciais (os comerciais estão autorizados) na área privada onde antes existia o Estaleiro Só. O empreendedor, como já se disse aqui zilhões de vezes, vai construir na orla do rio ou lago Guaíba benfeitorias públicas, de uso e benefício do povo em geral, tais como calçadão, via, ciclovia, marina, bares, restaurantes e tudo de bom. Mas, evidentemente, como tudo em Porto Alegre e no Rio Grande é complicado, existem aqueles que não gostam de grandes empreendimentos, que acham que não vão ter acesso a orla, o que é uma mentira. Mas esse povo que vai votar Não ao projeto do Pontal do Estaleiro está se organizando. No próximo sábado, o competente cineasta Carlos Gerbase, do clube de cinema de POA, vai fazer uma filmagem para a turma do Não. Vão lá comparecer toda a patota dos movimentos organizados, associações dos sociólogos, arquitetos do IAB, associação de moradores do Moinhos, da Gonçalo, do Ipanema. Toda a patota reunida vai lá ser filmada para as campanhas televisivas que serão divulgadas no mês de agosto.

E a turma do sim? Em março ou abril falei com um amigo que é ligado ao grupo empreendedor. Eu disse, pô, cara, porque vocês não colocam ali mesmo no estaleiro, cartazes mostrando o projeto que vocês pretendem fazer? Ele disse, ah, sim é uma boa idéia. E nada, absolutamente nada, foi feito. A turma do sim cochila, a patota do não se agiliza. Eles são profi, são organizados, sabem o que querem. Até eu colocaria um 'gadget' neste Blog apoiando o Sim, mas eu nem sei onde posso encontrar. Onde fica a turma do sim?
A vitória, se seguir esses passos, será de goleada.

Troglodita Paranóico e Histérico Retira Seu Embaixador


Hugo Chávez, que ontem anunciou congelamento das relações diplomáticas com a Colômbia


Folha de hoje, com meus comentários, em preto.

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, congelou as relações diplomáticas e econômicas entre seu país e a Colômbia, ordenou a retirada do embaixador venezuelano de Bogotá e ainda ameaçou expropriar empresas colombianas caso o governo Álvaro Uribe siga "agredindo" seu país.
Chávez disse reagir à insinuação "absolutamente falsa" do governo colombiano de que Caracas forneceria armas às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Peraí, peraí, quem afirmou isso não foi apenas o governo da Colômbia, mas o governo da Suécia que não tem nada a ver com este pepino.
Anteontem, Bogotá confirmou que militares encontraram em poder da guerrilha, no ano passado, armas de fabricação sueca compradas pela Venezuela. A Suécia confirmou a procedência dos artefatos e cobrou explicações de Caracas.Em participação em programa da TV estatal ontem à noite, o presidente disse que a Venezuela deixará de importar produtos da Colômbia, um de seu principais fornecedores de alimentos, ao lado do Brasil, e o segundo maior parceiro econômico depois dos EUA."As importações da Colômbia são prescindíveis, podemos consegui-las em qualquer outro país, no Brasil...", disse, para grita dos empresários dos dois lados da fronteira.Até o fechamento desta edição, a Colômbia não havia comentado a decisão.

Guerra


Senador tucano Sérgio Guerra.

Leio na Folha de hoje que "A decisão do PSDB de entrar com três representações no Conselho de Ética contra o presidente do Senado, José Sarney (AP), levou o PMDB a declarar guerra aos tucanos."
Pergunto, que PMDB é esse que quer declarar guerra aos tucanos?
É esse o PMDB que apoia o governo do PT e que, portanto, oPTou?
O PT está fazendo de tudo para se aliar com o PMDB no ano que vem. Aposta em Sarney, como se ele fosse o cacique mor do partido. Eu acho que ele não é.
Blogs de certa esquerda estão dizendo que tudo isso é uma manobra dos conservadores do Brasil que querem reconquistar o poder no ano que vem com a eleição de José Serra. A tática seria a seguinte: estão querendo ligar o PT ao Sarney.
Mas, cara-pálida, que está ligando o PT ao Sarney é o próprio PT. Ou não é? Por que o governo do PT está se desgastando tanto apoiando o Sarney? Ora, carambas, porque atrás de tudo isso estão os contratos sigilosos e secretos da Petrobrás. Quantos políticos, companheiros, camaradas receberam dinheiro grosso da estatal? Não interessa ao PT e seus aliados abrir a caixa preta da Petrobrás.
E depois vem a UNE, chapa branca, dizer que tudo isso é manobra para privatizar a Petrobrás e entregar essa empresa estratégica para as multinacionais. Pura baboseira. Nenhum governo, nem Serra e nem Dilma, vai privatizar a Petrobrás e, muito menos, entregar para as multinacionais. A tática é antiga, no RS, o PT, na campanha acusou a Yeda (PSDB) de querer privatizar o Banrisul. Yeda, no governo, não teve nenhuma intenção de fazer isso.
E o Brasil -- que tem tanto problema a resolver -- fica parado por conta de nossos complicados parlamentares. Claro, são capitaneados e presididos pelo Brasil arcaico. Não poderia ser diferente.

Política Industrial é Mistificação?


Os puristas e o Brasil

A leitura de alguns textos sugere que seus autores não têm interlocutores: têm inimigos! Consideram-se portadores de uma "ciência" e creem que os que qualificam suas conclusões, ou são ignorantes ou escondem objetivos não declarados e, na pior hipótese, têm má-fé.

Em estado de transe numa certa academia (num país que sempre a praticou), ouviram, em inglês, que "a política industrial é uma mistificação inventada por uma tribo que vive abaixo do Equador, a serviço de industriais ineficientes que, com a cumplicidade do governo (cuja eleição eles financiam), exploram os consumidores".

É por isso que ao ouvir a expressão "política industrial" entram em pânico e reagem com virulência. O problema é que tal "ciência" ignora a história e a geografia e não pode sugerir uma política econômica, onde elas (e as urnas) não podem ser ignoradas... É verdade que a nossa política de substituição de importações, às vezes, foi levada longe demais, mas é impossível esconder o fato que entre 1947 e 1980 a economia brasileira cresceu a uma taxa média real superior a 7%; que o PIB dobrou a cada dez anos e cresceu cinco vezes em uma geração!

É claro que cresceu usando mais mão-de-obra e mais capital e com menor contribuição do fator residual chamado "produtividade", mas é claro, também, que esta melhorou, pois o PIB per capita aumentou quase 4% ao ano! A desigualdade cresceu, mas todos cresceram. É tolice, entretanto, desqualificar toda política industrial por causa dos eventuais exageros da substituição de importações. Como toda política econômica, ela deve ser julgada usando "testemunhas", isto é, os seus parceiros regionais (a geografia) que sofreram as mesmas contingências (história). E quando se usa tal avaliação parece que a economia brasileira não se saiu tão mal. Passou por crises, mas cresceu mais depressa e construiu uma estrutura industrial mais sofisticada do que suas companheiras latino-americanas. Enquanto nossos "puristas" se arrepiavam ao ouvir falar em "política industrial" ou "substituição de importações", Canadá e Alemanha (exemplos de livre comércio) disputavam ferozmente a instalação de indústrias do setor de semicondutores. O Canadá, por exemplo, continua a ter instrumentos para construir subsídios, com a colaboração entre uma unidade federada, o Quebec, e o Programa de Associação Tecnológica do Canadá (federal). É claro que há espaço no Brasil para a construção de um ecossistema econômico apoiado numa inteligente política industrial, mesmo porque até hoje não temos uma indústria de semicondutores...
Artigo de Delfim Netto na Folha de hoje.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Contratos Paraguaios


Os companheiros Lula e Lugo fecharam um solidário acordo, mas quem vai pagar essa conta?

Tenho acompanhado pela mídia os debates sobre os alegados benefícios que o Brasil vem dando aos países irmão, mais notadamente os mais pobres, como os africanos (anistia de dívidas), nossos irmãos latino americanos etc. A opinião pública não se mostra muito favorável a esses gestos de profunda gentileza do governo Lula.

Brasil e Paraguai chegaram a um consenso em torno dos valores que o Brasil deve passar, tendo em vista a Usina de Itaipu. Segundo o contrato a revisão deveria ser feita em 50 anos, ou seja lá por 2.020. Mas o Paraguai pressionou e o Brasil cedeu. Dizem que o Brasil foi forte e firme na negociação, porque o Paraguai queria bem mais. Se negociou, se mitigou, se chegou, enfim, a um acordo. Resultado, o valor triplicou. O Ministro Paulo Bernardo prometeu: esse aumento não será repassado ao consumidor. Mas alguém, senhor ministro, vai pagar essa conta? Quem será?


O pessoal que defende esse tipo de acordo com os países irmãos alega que o Brasil vive uma nova fase, de solidariedade com as questões sociais de outros países (mas com o nosso dinheiro), razão pela qual temos mesmo de ser mais abertos e flexíveis com esse tipo de causa. O discurso parece bonito. A solidariedade é valor essencial no complexo e difuso mundo que estamos embutidos. Resta saber é quem vai pagar a conta desses gestos solidários. Alguém duvida?

Casamento Druso







Quem São Os Drusos?

A fotografia ali de cima do cabeçalho e as deste post foram pescadas do site Boston Globe. Uma mulher drusa israelense atravessa a fronteira israelense, nas colinas de Golan, para se casar com um druso sírio, na Siria.
Afinal, quem são os drusos?
são uma pequena comunidade religiosa autónoma que reside sobretudo no Líbano, Israel, Síria, Turquia e Jordânia (pequenas comunidades expatriadas existem ainda nos EUA, Canadá, América Latina, Austrália, e Europa). Eles usam a língua árabe e seguem um modelo social muito semelhante ao dos Árabes da região. Não são considerados muçulmanos pela maioria dos muçulmanos da região, apesar de alguns drusos dizerem que a sua religião é islâmica. A maioria dos drusos considera-se árabe, apesar de alguns drusos israelenses não se considerarem como tal. Existem cerca de um milhão de drusos em todo o mundo, a maioria dos quais vivendo no Médio Oriente.
Os drusos auto-intitulam-se em
árabe como Ahl al-Tawhīd "o povo do monoteísmo". A origem do nome druso é debatida, mas costuma ser ligada com Maomé al-Darazi, um antigo mensageiro da comunidade, que é considerado um herético pelos drusos hoje em dia.

"O Show Midiático" da Suécia Que Acusa a Venezuela de Entregar Armas às FARC


O chanceler venezuelano Nicolás Maduro que acusa o governo da Suécia de fazer show midiático em relação às armas vendidas para a Venezuela e encontradas com as FARC.

Eis ai abaixo mais uma prova de que Chávez gosta mesmo é de utilizar dinheiro público para financiar (como fez com a mala de 700 mil dólares encontrada no aeroporto de Ezeiza em Buenos Aires na véspera da eleição de Cristina K.) e articular ações de seus companheiros de ideologia. Por que a Suécia iria entrar nessa discussão? E a desculpa do burocrata bolivariano é ótima (será que alguém pode levar a sério?) isso tudo é um "show midiático."




Armas de fabricação sueca vendidas nos anos 80 à Venezuela foram encontradas em poder das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), afirmou ontem o governo da Suécia, que questionou o governo Hugo Chávez a respeito.


O pedido de explicações, apresentado em Estocolmo pelo conselheiro político do Ministério do Comércio da Suécia, Jens Eriksson, reforça as acusações feitas pelas autoridades colombianas à Venezuela no fim de semana e ontem.


O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, disse que a acusação é um "show midiático" para justificar o aumento da presença militar dos EUA na Colômbia. Os países negociam ampliar o uso pelos americanos de ao menos três bases colombianas, o que Chávez considera uma ameaça.O vice-presidente da Colômbia, Francisco Santos, mencionou ontem a apreensão de um "potente arsenal" com a guerrilha, parte dele vindo da Venezuela. Santos pediu "vigilância externa" sobre a questão.


Anteontem, o presidente colombiano, Álvaro Uribe, disse ter reclamado "nos canais diplomáticos apropriados" sobre as armas das Farc. Ele afirmou que a guerrilha marxista, que se financia com o narcotráfico, estuda comprar mísseis terra-ar.

Volta da tensão
As acusações de Uribe coincidiram com a publicação de reportagem sobre o tema pela revista colombiana "Semana", que citou fontes anônimas do governo. Antes, a revista britânica especializada em defesa "Jane's Intelligence Weekly" havia reportado o mesmo.
Segundo as revistas, foram apreendidos com as Farc lança-foguetes AT-4, espécie de bazuca de manuseio tido como fácil, de pouca precisão, fabricados pela sueca Saab Bofors Dynamics. Ontem a empresa "lamentou" o achado com as Farc, consideradas terroristas por EUA e União Europeia.Vender armas ou repassá-las a grupos terroristas viola leis internacionais desse comércio.O chefe da agência sueca que supervisiona exportações de armas, Jan-Erik Lovgren, afirmou a uma emissora de rádio que os artefatos foram vendidos à Venezuela nos anos 80.A "Semana" diz que os AT-4 foram encontrados com as Farc em julho e outubro de 2008. O dado foi entregue à Suécia, que confirmou, com base nos números de série, a origem deles.O governo Uribe, segundo a revista, questionou a Venezuela sobre o episódio em junho, mas não teria obtido resposta.A decisão de Bogotá de abordar publicamente o tema dá fôlego à tensão diplomática bilateral, reacesa recentemente em decorrência do acordo militar em negociação entre Estados Unidos e Colômbia.Ambos os episódios são um revés na reaproximação entre Uribe e Chávez iniciada pouco após o bombardeio colombiano a uma base das Farc no Equador, em março de 2008.À época, a Colômbia ameaçou processar a Venezuela e o Equador por seus supostos elos com as Farc, com base em dados achados em laptops da guerrilha. Com a reaproximação, o tema arrefecera.

Avisem o Raul Que a Solução é Abrir




Muito boa a matéria do El Pais sobre o pedido de Raúl Castro para os cubanos trabalharem mais. O que é irritante no socialismo real é que eles nunca reconhecem o erro. Eles simplesmente não querem admitir que seus dogmas estão errados. Cuba está nesta crise porque ali não tem propriedade privada. Ninguém é dono de nada. As pessoas não se sentem segura para investir em algo que não é seu. A ingerência do Estado sobre a atividade econômica é total. Essa atividade é monopólio do Estado. E depois perguntam: por que motivos a economia vai mal???

Ningúém está defendendo que Cuba ingresse de vez no mundo do direito de propriedade acima de todos os outros. Mas o lado oposto, do monopólio da propriedade pública, é completamente absurdo. Além disso, gera ineficiência e é socialmente danoso. O que falta em Cuba é exatamente o que não tem na cabeça de uma certa esquerda aqui do Continente de São Pedro: o bom senso para admitir que tudo pode ser mitigado, relativizado, conversado, ponderado, inclusive a fé ideológica.



Pelo menos o Raul reconheceu que a culpa do atraso cubano não é exclusiva dos "imperialistas americanos", tendo em vista a desculpa esfarrapada do bloqueio, a culpa também é de Cuba. E do regime, né Raul !





Raúl Castro pede que cubanos trabalhem mais para contornar a crise

O feijão em Cuba é um assunto de "segurança nacional". É a primeira prioridade, acima das diretrizes políticas. Foi o que disse mais claramente que nunca Raúl Castro, ao comemorar o 56º aniversário do assalto ao quartel Moncada, a data mais importante do calendário revolucionário cubano. "Não é questão de gritar 'Pátria ou morte!', 'Abaixo o imperialismo!'... E a terra aí, esperando por nosso suor." O presidente cubano rugiu: o país não pode continuar gastando "centenas de milhares e milhões de dólares" para importar alimentos que podem ser produzidos na ilha.

Cuba é um país agrícola, mas importa 80% dos alimentos que consome. Em 2007, a metade das terras nas mãos do Estado estava sem cultivar, e Raúl Castro deu ordem de acabar com esse despropósito e distribuí-las em usufruto entre agricultores e cooperativistas.

No domingo o mandatário deu os últimos números: foram entregues 690 mil hectares, aproximadamente 39% da "área ociosa", e dessa terra só um terço está semeado. "Não podemos nos sentir tranquilos enquanto existir um só hectare de terra sem emprego útil", disse ele.Foi a tônica geral de todo o discurso, pronunciado em Holguín, a mesma cidade onde há exatamente três anos Fidel Castro apareceu pela última vez em público em outro ato por motivo do 26 de julho.

Neste, Raúl não deu boas notícias; tentou ser realista. "Aqui não resta nada, só problemas", chegou a dizer em um momento de seu discurso de meia hora, muito longe dos discursos maratonianos de seu irmão.


Ninguém esperava que Raúl Castro retomasse a mensagem das reformas daquele famoso 26 de julho de 2007, quando anunciou "mudanças estruturais e de conceito" para reativar a economia. Não o fez.
Há tempo que em Cuba não se fala em mudanças, mas nos efeitos da crise internacional na frágil economia cubana e nas "restrições ao consumo" que inevitavelmente haverão de chegar. Algumas já chegaram, como as restrições ao consumo elétrico, no transporte público ou na distribuição de alguns produtos da cartilha de racionamento.O presidente cubano voltou àquele discurso de 2007, sim, mas para recuperar suas palavras sobre "a necessidade imperiosa" de pôr a terra para produzir. "É uma tarefa de primeira prioridade estratégica", enfatizou. E acrescentou: "A terra está aí; aqui estão os cubanos, veremos se trabalhamos ou não, se produzimos ou não, se cumprimos nossa palavra ou não".

A esta altura está claro que o propósito de Raúl Castro não é introduzir grandes mudanças que transformem o modelo econômico, mas sim tornar mais eficiente o modelo socialista que existe. Também ficaram claras as limitações para alcançar esse objetivo.
Castro não pronunciou um discurso político nem mencionou o "bloqueio" dos EUA como causa dos males da ilha. Concentrou-se na economia. Mencionou os ciclones que arrasaram o país no ano passado e que deixaram prejuízos de cerca de US$ 10 bilhões, aproximadamente 20% do PIB. A ilha, ele disse, ainda não se recuperou do golpe; só no referente às casas com destruição total ou parcial, ainda não se resolveu o problema de mais de 300 mil residências.O presidente cubano deixou para os próximos dias as más notícias econômicas e os possíveis anúncios de maiores restrições. Na terça-feira, disse, se reunirá o Conselho de Ministros para discutir um "segundo ajuste dos gastos previstos" para 2009, devido "aos efeitos da crise econômica mundial". A previsão de crescimento econômico para este ano já foi rebaixada oficialmente de 6% para 2,5%, mas economistas independentes consideram que inclusive a cifra poderá ser negativa.
No calendário político cubano também está, em 29 de julho, a realização de um plenário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba (PCC), no qual poderá ser decidida a data concreta do 6º Congresso do PCC. O congresso está com sete anos de atraso, e dele deverão sair as diretrizes econômicas e políticas para o futuro, e se há ou não na ilha um processo real de abertura. Também deverá decidir em que papel fica Fidel Castro, que hoje continua sendo o primeiro-secretário do PCC.

Arias Critica Presença de Zelaya na Fronteira



O diário espanhol El Pais entrevistou o presidente da Costa Rica, Óscar Arias, sobre os conflitos de honduras. A entrevista completa está aqui.

El País: O que o senhor pensou ao ver Zelaya nesta sexta-feira pisar a fronteira com Honduras, nas circunstâncias em que o fez?
Arias: Esse não é o caminho para a reconciliação desse país.



El País: O senhor vê interesses externos em jogo neste conflito?
Arias: Não, penso que Honduras é uma sociedade muito polarizada. Há muitos que lamentam a decisão de Zelaya de se integrar à Alba [aliança promovida por Hugo Chávez] e a influência que esse grupo tem sobre ele. Esta continua sendo uma preocupação ainda hoje, mas nada justifica o golpe de Estado, que representa um retrocesso nos esforços dos centro-americanos para construir suas instituições depois das guerras dos anos 80.


El País: Há muitos sinais de que este é o novo atrito entre Washington e Caracas...
Arias: Não, o que eu vejo é que no governo Obama há uma mudança real na política dos EUA para a América Latina. Esta é não permitir novos golpes de Estado, mesmo que possam ter diferenças com as políticas de um determinado governo.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Luc Ferry e a Nossa "Impotência Pública"


Sou fã de carteirinha do filósofo francês Luc Ferry, aquele que disse que o grande mal da humanidade contemporânea é a religião e a ideologia. Ele deu entrevista, por e-mail, para a Folha e que está na edição de hoje.

"Crise mostra impotência pública atual de políticos"

A CRISE ECONÔMICA mostra que os dirigentes políticos sofreram nos últimos anos uma "desapropriação democrática" gerada pela globalização, e por isso estão hoje relegados à condição de "impotência pública".A opinião é de um dos maiores pensadores europeus, o filósofo e intelectual francês Luc Ferry, que fala com a autoridade de quem atuou tanto na esfera acadêmica como no setor privado e no governo.

Antes de chefiar um grupo de reflexão socioeconômica no governo do presidente Nicolas Sarkozy, deu aulas na prestigiosa École Normale Supérieure, foi consultor de multinacional e ministro da Educação entre 2002 e 2004, no governo Jacques Chirac.

Em entrevista à Folha por e-mail, Luc Ferry previu um fortalecimento das instâncias de governo e traçou semelhanças entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu colega francês, Nicolas Sarkozy, e o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi. O filósofo também rebateu críticas de que teria se alienado ao vestir a camisa de um governo.

FOLHA - O sr. crê que a globalização mudou a maneira de governar e de fazer política?

LUC FERRY - Sim. No universo globalizado em que estamos mergulhados, as ferramentas tradicionais das políticas nacionais se tornam cada dia menos relevantes. O maior fenômeno desta virada de século é a impotência pública, o fato de nossos políticos terem perdido praticamente todo o poder diante de um desenvolvimento globalizado que lhes escapa por toda parte. É o grande problema da política moderna: a questão hoje não é mais somente o que fazer, mas principalmente como recuperar o controle, como recuperar um pouco de poder e de margem de manobra. É o que eu chamo de desapropriação democrática. Há 50 anos essas interrogações não existiam, e as políticas funcionavam num plano essencialmente nacional.


FOLHA - O sr. acredita que as instâncias de governo sairão fortalecidas da atual crise econômica global?

FERRY - Sim, claro. Isso será necessário para resolver o problema duplo levantado pela crise. Primeiro: como reatar com um crescimento acarretado pela riqueza verdadeira, e não pelo endividamento. Segundo: como recuperar o controle sobre um mundo globalizado que nos escapa por todos os lados, tanto no plano econômico como no ecológico. É esse o grande desafio do G20 [grupo das 20 maiores economias do mundo], e é por isso que o grupo tem um longo caminho pela frente.


FOLHA - A crise revelou alguma falha estrutural no funcionamento das sociedades modernas?

FERRY - Antes de mais nada, é preciso refletir sobre a natureza da crise, pois há muita besteira sendo contada por aí. Ao contrário do que se diz, não se trata de uma crise financeira, mas de uma crise econômica no sentido tradicional. A visão ingênua pela qual existem uma "boa economia", a economia "real" e uma economia "ruim", a economia especulativa, não resiste à análise. Os países ocidentais mais industrializados, os Estados Unidos particularmente, conheceram nos anos 90 uma forte bipolarização do mundo do trabalho. Nessa época, criou-se um cenário onde havia, de um lado, trabalhadores altamente qualificados e bem-remunerados e, do outro, uma massa de trabalhadores mal paga por ser menos qualificada. Ou seja, a globalização fez as classes médias minguarem. O problema é que eram elas que geravam o crescimento e que mais consumiam. Foi nesse cenário que surgiu nos EUA o recurso ao endividamento maciço dos lares mais populosos e menos ricos, os famosos "subprimes". A partir daí não foram mais os salários das classes médias que geraram crescimento, mas o endividamento dos pobres. Em outras palavras, a riqueza passou a ser aumentada não mais a partir da riqueza em si, mas a partir de dívidas! E assim multiplicaram-se nos EUA, nos últimos 15 anos, sistemas de empréstimo de alto risco. Foi no contexto dessa nova lógica econômica que a crise financeira veio se inserir. Demorou até os créditos de risco serem transformados em títulos que acabaram espalhados por bancos do mundo todo e viraram, com o apoio das agências de classificação de risco, produtos financeiros de difícil leitura. É evidente que esse processo só aconteceu graças à cumplicidade de banqueiros, incluindo o banco central americano, que sabia muito bem o que estava acontecendo. Mas o importante é que o mundo financeiro, por mais culpado seja, não está na raiz da crise, que é antes de mais nada uma crise da economia real. O que é evidentemente bem mais grave...

FOLHA - Como o sr. explica o fato de Lula, mesmo após dois mandatos repletos de denúncias contra seu partido e seus aliados, ainda ter popularidade tão alta?
FERRY - Pode se dizer a mesma coisa de [Silvio] Berlusconi na Itália ou de [Nicolas] Sarkozy na França. Boa parte da imprensa os vive criticando, e mesmo assim ganham eleições. De onde vem essa defasagem entre a população e a imprensa? A mídia, na sua essência, precisa ser crítica. Como se diz na França, não se pode escrever uma boa matéria para falar dos trens que chegam na hora. Esse é, de fato, o papel da mídia, mas isso pode acabar a distanciando do povo. A população não tem a obrigação de sempre criticar e, paradoxalmente, às vezes entende melhor que os observadores profissionais a dificuldade de ser político.


FOLHA - O que o sr. acha dos presidentes Sarkozy e Barack Obama, que divulgam abertamente sua vida privada?
FERRY - É antes de mais nada um bom tema de reflexão para os jornalistas. Afinal de contas, são eles que correm atrás dos furos relacionados à vida privada dos políticos. O público adora e dá audiência, só isso.


FOLHA - Como o sr. avalia a onda de esperança global gerada pela chegada ao poder de Obama?
FERRY - Há 50 anos, Obama nem sequer teria sido aceito em uma universidade em seu país. E hoje ele é presidente. É normal que essa mudança absoluta exerça um fascínio, não? A esperança é formidável, éramos milhões a contar os dias para a saída de [George W.] Bush. Afinal, Obama vem de uma família de muçulmanos, o que significa que ele pode melhor do que ninguém ajudar a evitar o famoso conflito de civilizações, principal ameaça que pesa sobre o século 21.


FOLHA - O debate sobre a burca [véu muçulmano que cobre inteiramente o corpo da mulher] na França traz à tona a questão do relativismo cultural: impor um modo de pensar como sendo melhor que outro não contribui para acirrar o choque de civilizações previsto por Samuel Huntington?
FERRY - Muita gente atribui um monte de besteiras a Samuel Huntington sem ter lido seu livro ("O Choque das Civilizações e a Recomposição da Nova Ordem Mundial"), que na verdade é ótimo. Em primeiro lugar, ele nunca estimulou o choque de civilizações, muito pelo contrário. Ele sempre recomendou que o governo americano praticasse o diálogo e a moderação diante do islã. Huntington inclusive se opôs à Guerra do Iraque. Mas é fato que existe, sim, um verdadeiro choque com o islã radical, e a burca, ao contrário de uma opinião comum totalmente errada, não tem nada de símbolo religioso. Ela não consta em lugar nenhum na lista das obrigações determinadas pela religião muçulmana às mulheres. A burca é um sinal de vínculo ao fundamentalismo. Ela significa que as mulheres não devem ter lugar na esfera pública e que elas devem ficar em casa. Se saírem, elas têm de se dissimular. Devemos aceitar essa concepção do lugar da mulher? Respondo tranquilamente não, cem vezes não. E eu não digo isso porque defendo uma tradição cultural ocidental, mas porque penso que as mulheres simplesmente fazem parte da humanidade. Nesse tema, o relativismo é sempre cúmplice dos totalitarismos.


FOLHA - Um filósofo que, como o senhor, se associa a um governo não acaba perdendo sua liberdade de pensar e falar?

FERRY - Enquanto se é membro de um governo, é preciso ater-se ao princípio de solidariedade, o que obviamente ofusca a liberdade de expressão. Mas ninguém é obrigado a entrar num governo, nem a ficar nele. Nada impede de ir embora, mas quando se decide permanecer, é preciso ser coerente com seu compromisso.Muitos pensadores franceses, inclusive alguns dos maiores, como [Alexis de] Tocqueville, [André] Malraux e Victor Hugo encararam esse desafio inerente à vida política. Por quê? Simplesmente porque aquele que não se compromete pode se gabar de ter mãos puras, mas na verdade ele não tem mãos. Tenho paixão por filosofia, é sem sombra de dúvida a vocação da minha vida.Mas eu não poderia ter passado a vida inteira como professor de universidade sem ter a curiosidade de observar de perto a realidade histórica e sem participar, ainda que modestamente, da construção da história. É apaixonante, e aprende-se muito sobre a realidade, da qual o filósofo jamais deve se afastar.

A Desconstituição da Autoridade


A charge acima, tirada de uma publicação francesa, mostra muito bem a crise de autoridade que a educação mundial está vivenciando. Trata-se de uma tendência, um modismo equivocado de desconstituir o valor da autoridade e na base de tudo isso está a falta de limites, sobretudo dentro de casa. Se o aluno tira nota baixa, a culpa não é dele, mas do ensino, do colégio, dos professores. Essa sempre vai ser a melhor desculpa. Que tipo de sociedade estamos construindo para o nosso futuro?

Entre Os Muros da Escola


Alunas reais atuaem em "Entre os Muros da Escola"; filme expõe visão do choque de civilizações

A sociedade da diversidade é complicada -- essa palavra que não diz nada, mas diz tudo. A França foi um país colonialista, montou colônias em grande parte do continente africano, na América Latina, no Caribe, nas Antilhas. E hoje paga um preço social elevado, uma vez que parte considerável dos habitantes dessa colônia possuem cidadania francesa. Quem passa por Paris sabe muito bem a impressionante quantidade de Argelinos, Tunisianos, Marroquinos, Senegaleses, o pessoal da Costa do Marfim, do Mali, das Antilhas, das Guianas que vivem por lá. Além dos imigrantes das colônias francesas, existem também outros imigrantes de outros locais, como o Brasil, os países latino americanos, a China, a India, etc... A França vive, portanto, um choque de civilizações. E esse retrato está muito bem focado no filme "Entre os Muros da Escola", disponível no Brasil em DVD e vencedor da Palma de Ouro de Cannes de 2008, que mostra a dificil relação de um professor de francês com uma aula composta por alunos de diferentes etnias, culturas e valores. O filme foi escrito e inspirado na vida real de François Bégaudeau (foto abaixo), que faz o papel do professor François Marin (Marinheiro).


Professor na vida real, François Bégaudeau atua em filme inspirado em seu livro

Lá pelas tantas, o professor usa como exemplo, em uma frase, o nome Bill. E uma menina de origem africana pergunta, por que motivos se utiliza sempre esses nomes babacas como Bill? O professor responde, Bill é apelido de um ex presidente americano. E a menina replica, por que você não usa outros nomes "mais normais" e cita nomes árabes e africanos. Outra passagem interessante do filme é quando o professor refere que a aluna, de origem muçulmana, é cidadã francesa. A aluna responde: eu não tenho nenhum orgulho disso. Em uma outra cena, o professor de história, novo na escola, consulta o professor de francês sobre livros a recomendar para a leitura dos alunos, cita os iluministas: Voltaire, Montesquieu, Diderot. E o professor de francês faz um sinal negativo na cabeça e diz: não creio que eles vão se interessar por esses livros.

A falta de limites, o desrespeito à autoridade, a diferença entre linguagens, a falta de vontade de aprender os valores da sociedade francesa, os jovens preferem utilizar a gíria do que a lingua burguesa coloquial da boa gramática, são desafios cotidianos dos professores da rede de escola pública francesa. Tem gente que torce o nariz quando há qualquer tipo de referência a "choque de civilizações". Mas isso é fato, isso existe, é faz parte do cotidiano da sociedade moderna que é cada vez mais difusa e diversificada. Como, então, educar, impor limites, fazer os alunos respeitar à autoridade?

Ponto complicado nas reuniões de professores é como punir o aluno mal educado. Advertência não adianta, quando o aluno é suspenso ele gosta porque não vai a aula. A solução, então, é a expulsão. E aquela escola, naquele ano, já expulsou 12 alunos. E na escola pública francesa, o Estado é obrigado a relocar o aluno em outra escola pública.
Apesar de todas essas "complicações", o filme mostra uma escola pública razoavelmente organizada, com professores preocupados com a violência e o aprendizado dos alunos. Outro ponto que chama a atenção é que as aulas iniciam pelas 8 horas e terminam no meio da tarde, sendo que os alunos almoçam no colégio.

É um filme interessante que trata de um assunto atual e fundamental, como anda a escola pública nos países socialmente mais desenvolvidos. E tudo é muito, muito complicado.

Hoje de manhã ouvi na rádio gaúcha um debate sobre esse mesmo tema nas escolas públicas do RS. Um professor tocou na ferida. Ele disse mais ou menos isso: depois do fim da ditadura se fez um movimento de desconstituição da autoridade e duas leis contribuíram para isso: o Estatuto da Criança e do Adolescente e a aplicação do Código do Consumidor para as escolas, como se o aluno tivesse todo o direito do mundo de um simples consumidor. Mas ele não é.

sábado, 25 de julho de 2009

Nossas Repúblicas Bananeiras


Presidente hondurenho deposto, Manuel Zelaya, acena para apoiadores enquanto fala ao celular, em Las Manos, na fronteira com Honduras. Zelaya foi recebido por dezenas de apoiadores e reingressou em seu país de origem. "Não tenho medo quando trabalho por uma causa justa e nobre", disse a alguém por telefone momentos depois de atravessar a fronteira



Parentes e seguidores de Zelaya passaram a noite na rua na fronteira com a Nicarágua, apesar das ordens de toque de recolher do governo



Manuel Zelaya foi até a fronteira com Honduras ficou algum tempo e retornou para a Nicarágua. Por que não foi além? Ora, porque não tem tanto apoio popular assim. É preciso evitar uma guerra civil. A atitude de Zelaya foi criticada pela Hillary Clinton. O presidente deposto pretende hoje, novamente, repetir a caminhada. Vai novamente até a fronteira com Honduras. Quer arregimentar mais e mais militantes. Será que ele tem esse cacife? O conflito pode ser grave. Enquanto isso, em Tegucigalpa, parte da população protestava contra o retorno de Zelaya. Dizem que Honduras não é mais uma república bananeira, mas ela vive hoje a antiga ( e ainda nova) realidade latino americana que se divide entre o populismo de uma esquerda caduca e a arrogância daqueles que gostam de passar por cima do jogo democrático. E de que lado está o povo?

Sebreli - Esse Cara Virou Meu Ídolo



Foi no Diário Gauche desta semana que tomei conhecimento da existência do sociólogo Juan José Sebreli . Ele deu uma entrevista ao caderno de cultura da ZH de hoje. Pinço os seguintes trechos:
A religião cívica pode ser democrática e pode ser autoritária. Aqui, na medida em que essa religião cívica não se fundamentava em instituições, em leis, e sim em indivíduos e nomes, levava inevitavelmente ao autoritarismo. Não conheço bem a questão da religião cívica estadunidense, mas imagino que lá se assentou no aspecto das instituições. A prova está em que não houve ditadores nos Estados Unidos, coisa que foi tradição na Argentina.
Provavelmente não estaria mal termos uma religião cívica, quando centrada na criação de cidadãos respeitadores da lei, mas aqui se criou uma religião cívica de patriotas que reverenciam super-homens, os que realmente fariam a história. Não se ensina às crianças e aos jovens que eles mesmos deveriam ser responsáveis pela sociedade, e sim que eles devem respeitar e seguir a esses grandes homens que são os próceres, os grandes vultos.Sim.
Uma sociedade como a que eu quero para o meu país, democrática, baseada em homens livres, iguais e responsáveis pelo próprio destino é, sem dúvida, uma sociedade sem ídolos caracterizados por qualidades extraordinárias que levam ao autoritarismo. Nós os conhecemos, são os líderes carismáticos. Eles são um obstáculo à democracia.
Chávez é um exemplo paradigmático de líder carismático, mas eu não falo de esquerda. Não creio que Chávez seja de esquerda, ele é populista, e o populismo oscila entre esquerda e direita segundo os momentos e a conveniência. Chávez é algo bastante parecido ao que tivemos aqui na Argentina com Perón. Creio que o que há de mais parecido com democracia na América Latina seja indubitavelmente Chile, Brasil, Uruguai. No Brasil as instituições predominaram sobre os personagens carismáticos. O Brasil teve um personagem precursor de Perón: Vargas. No entanto, hoje, no Brasil, Vargas é um personagem para a história. Nenhum partido político o reivindica. Aqui na Argentina continua-se falando de Perón como um guia, e ele governou há mais de meio século, em um mundo e em uma sociedade completamente diferente, que desapareceram.
Sim, não nego que, dentro de uma sociedade democrática e política sempre vai haver personalidades que se destacam mais do que outras, mas devem sempre estar subordinadas às instituições. Já se sabe que Lula não pretende buscar mais uma reeleição, o que ocorre nos países autoritários e populistas, como nos casos de Chávez e nos muito discutidos recentemente Honduras e Equador.
É o caso de todos os regimes que pretendem se perpetuar no poder, como queriam também de certo modo os Kirschner, e felizmente fracassaram.
Nosso país oscila entre a democracia e o populismo. Essa é a grande antítese atual. Não esquerda e direita, porque hoje elas se confundem muito. Não digo que sejam termos que não existem, porque enquanto houver duas correntes uma estará à esquerda em relação à outra. Mas hoje é confuso usá-los. De minha parte, prefiro dizer que a antítese fundamental na América Latina é entre a democracia e o populismo. O populismo representado, basicamente, por Venezuela, Cuba um pouco em decadência, Honduras, Nicarágua, Equador, de certo modo Bolívia. E a linha democrática seria Uruguai, Brasil, Chile, México. A Argentina oscila.
Não precisa falar mais nada, o cara virou meu ídolo.


Um homem contra os heróis


Critico do totalitarismo, o sociólogo Juan José Sebreli questiona e ataca nomes intocáveis da sociedade argentina

Ele provavelmente é um dos intelectuais mais incômodos e iconoclastas deste lado do sul do mundo, e ainda assim é provável que você não tenha ouvido falar dele. O sociólogo argentino Juan José Sebreli, libertário e crítico ferrenho de totalitarismos de ambos os matizes, vem a Porto Alegre como principal convidado da 4ª edição do Festival de Inverno de Porto Alegre, embora seus livros não tenham traduções em circulação e seu nome seja provavelmente menos conhecido por aqui do que o dos também convidados Martín Kohan e Ariel Schettini. O problema, claro, é nosso, não dele. Crítico ferrenho do estatuto das celebridades midiáticas, Sebreli vem a Porto Alegre falar (mal) de quatro personalidades com status de heróis intocáveis na sociedade argentina por si só afeita a heroísmos: Evita, Che, Carlos Gardel e Maradona, os quatro presentes em demolidoras análises em seu premiado estudo Comediantes y Mártires – como toda a obra de Sebreli, sem tradução no Brasil.

De sua casa em Buenos Aires, o escritor concedeu a seguinte entrevista, por telefone:

Cultura – O senhor poderia antecipar as linhas gerais de sua conferência no Festival de Inverno?
Juan José Sebreli – O tema é o mesmo de meu último livro, Comediantes y Mártires, ainda não conhecido no Brasil: o tema dos mitos. É um livro sobre o que são os mitos, historicamente, qual o lugar dos mitos e uma análise sobre argentinos que são também mitos mundiais, conhecidos no mundo inteiro. Escolhi falar de Carlos Gardel, Evita, Che e Maradona porque justamente são os únicos argentinos mundialmente conhecidos, como se pode comprovar nas menções encontradas na Internet.

Cultura – Na análise dessas quatro personalidades, o senhor critica seu status de mito. É uma crítica também ao culto de personalidades heroicas na história argentina?
Sebreli – Sim, creio que esse é um obstáculo para a democracia na Argentina. É algo que vem do século 19 e primeiro começou com o culto aos próceres, algo que interessava às classes dirigentes em um momento em que a maior parte da população dos centros urbanos era de estrangeiros.Frente à grande onda migratória que houve ao longo do século 19 e começo do 20, as classes dirigentes consideraram necessário nacionalizar essa massa. E teve impulso no ensino público algo assim como uma religião cívica, da qual fazia parte o culto dos heróis. As crianças foram educadas para crescerem e serem não cidadãos, e sim patriotas quase fanáticos. E no decorrer do século 20, com a aparição dos meios de comunicação, esses próceres foram suplantados pelos ídolos surgidos desses meios.Gardel e Evita surgem assim. E Maradona obviamente é um homem de mídia. Hoje não se pode mais falar em futebol, e sim em telefutebol. A imensa maioria das pessoas só vê o jogo pela TV. E Maradona é um fenômeno a tal ponto televisivo que há anos não joga e segue sendo um divo, aparece permanentemente. O fenômeno dos meios de comunicação foi, durante o século 20 e continua sendo no 21, decisivo para a criação dos mitos modernos.

Cultura – O fato de esses ídolos serem figuras próximas e imperfeitas facilita essa entronização no panteão popular?
Sebreli – Há um processo psicológico dúbio e contraditório, de identificação e de projeção. A massa se identifica com esses ídolos na medida em que a maior parte deles foram muito pobres, ou tiveram uma infância infeliz, passaram por dissabores, o que permite a identificação do povo com eles. Mas ao mesmo tempo esses mitos, depois de passar por todas essas infelicidades, misérias, humilhações, chegaram ao ápice do prestígio, da fama, da glória, até mesmo do dinheiro. E aí se coloca a projeção. São dois movimentos que parecem contraditórios, de identificação com os aspectos dolorosos que podem ter vivido em algum momento de sua vida e ao mesmo tempo por haver triunfado sobre eles, ascendido à luz deslumbrante são o que provocam essa adoração. O ídolo é alguém como nós, mas ao mesmo tempo é o que chegou aonde não pudemos chegar.

Cultura – O senhor usa o termo “adoração”. A massa santifica o mito?
Sebreli – Sim, é uma forma de religião. Os líderes totalitários e autocráticos formam uma espécie de religião política, isso é óbvio e já foi dito. E esses ídolos dos quais falei fundaram a seu modo uma espécie de credo idolátrico, ao ponto de lhes pedirem milagres. As pessoas pedem graças a Che Guevara na Bolívia. No lugar em que ele morreu há uma espécie de altar, apesar de ele haver sido ateu. As pessoas vão lá, levam flores e lhe pedem milagres. O mesmo acontece com Evita e Gardel e outros ídolos argentinos que certamente também são conhecidos no Brasil, como Rodrigo Bueno, um cantor “bailantero” que morreu em um acidente, muito jovem, ou uma cantora de rock chamada Gilda. E em seguida o lugar da morte se converte em um altar aonde as pessoas vão, deixam ex-votos, objetos. Há também santos rurais. No interior, no campo, está cheio de altares de gente que foi santificada. Confunde-se uma mentalidade religiosa mágica, com adoração da imagem.

Cultura – O senhor identificou características comuns nesses ídolos, como a infância pobre e a ascensão social. Mas essa moldura não se encaixa no perfil do Che.
Sebreli – Sim. O Che tem, indubitavelmente, algo distinto dos demais. Para começar, os outros três vêm das classes populares. O Che pertencia ao que se poderia chamar de aristocracia, ou oligarquia, como se chamava aqui na época. Mas ele fazia parte de um ramo pobre dessa classe alta. Seus pais eram pobres, não tinham dinheiro. Tinham algum prestígio pelo sobrenome, pelas conexões com a classe alta, e todas as relações dele foram com gente de classe muito alta durante a infância, a adolescência e a primeira juventude. Mas, ao mesmo tempo, não tinham dinheiro, o que já era conflito, ao qual se agregava a asma, que o punha a cada momento às portas da morte. A infância dele também não foi de nenhuma maneira harmoniosa: conflitos familiares, os pais separados, ele não se dava bem com o pai. As vidas dos mitos populares começam sempre problemáticas, com dificuldades. E como ele sempre havia vivido entre ricos e não havia podido ser um deles, criou para si uma espécie de ascetismo, ostentava sua modéstia, sua sobriedade, vivendo como um operário quando era ministro em Cuba. O caso dele é o de uma espécie de opção pela pobreza franciscana, como vocação.


Cultura – O senhor empregou a expressão “religião cívica”. É interessante porque há dois anos o historiador Robert Darnton, em uma entrevista antes de palestra em Porto Alegre, usou a mesma expressão. Mas para ele essa “religião cívica” era a base da sociedade norte-americana, e para o senhor é o contrário.
Sebreli – Claro. É uma situação diferente. A religião cívica pode ser democrática e pode ser autoritária. Aqui, na medida em que essa religião cívica não se fundamentava em instituições, em leis, e sim em indivíduos e nomes, levava inevitavelmente ao autoritarismo. Não conheço bem a questão da religião cívica estadunidense, mas imagino que lá se assentou no aspecto das instituições. A prova está em que não houve ditadores nos Estados Unidos, coisa que foi tradição na Argentina. Provavelmente não estaria mal termos uma religião cívica, quando centrada na criação de cidadãos respeitadores da lei, mas aqui se criou uma religião cívica de patriotas que reverenciam super-homens, os que realmente fariam a história. Não se ensina às crianças e aos jovens que eles mesmos deveriam ser responsáveis pela sociedade, e sim que eles devem respeitar e seguir a esses grandes homens que são os próceres, os grandes vultos.
Cultura – Para o senhor, então, a tradição é um elemento opressivo, e não agregador.
Sebreli – Sim. Uma sociedade como a que eu quero para o meu país, democrática, baseada em homens livres, iguais e responsáveis pelo próprio destino é, sem dúvida, uma sociedade sem ídolos caracterizados por qualidades extraordinárias que levam ao autoritarismo. Nós os conhecemos, são os líderes carismáticos. Eles são um obstáculo à democracia.
Cultura – Por esse ponto de vista, como vê a ascensão recente na América Latina de governantes carismáticos de esquerda?
Sebreli – Chávez é um exemplo paradigmático de líder carismático, mas eu não falo de esquerda. Não creio que Chávez seja de esquerda, ele é populista, e o populismo oscila entre esquerda e direita segundo os momentos e a conveniência. Chávez é algo bastante parecido ao que tivemos aqui na Argentina com Perón. Creio que o que há de mais parecido com democracia na América Latina seja indubitavelmente Chile, Brasil, Uruguai. No Brasil as instituições predominaram sobre os personagens carismáticos. O Brasil teve um personagem precursor de Perón: Vargas. No entanto, hoje, no Brasil, Vargas é um personagem para a história. Nenhum partido político o reivindica. Aqui na Argentina continua-se falando de Perón como um guia, e ele governou há mais de meio século, em um mundo e em uma sociedade completamente diferente, que desapareceram.
Cultura – Mas Lula também é um governante com carisma pessoal e com uma história de vida que se assemelha a essa que o senhor traçou como característica dos mitos: infância pobre, vitória pessoal sobre miséria e dificuldades...
Sebreli – Sim, não nego que, dentro de uma sociedade democrática e política sempre vai haver personalidades que se destacam mais do que outras, mas devem sempre estar subordinadas às instituições. Já se sabe que Lula não pretende buscar mais uma reeleição, o que ocorre nos países autoritários e populistas, como nos casos de Chávez e nos muito discutidos recentemente Honduras e Equador. É o caso de todos os regimes que pretendem se perpetuar no poder, como queriam também de certo modo os Kirschner, e felizmente fracassaram. Nosso país oscila entre a democracia e o populismo. Essa é a grande antítese atual. Não esquerda e direita, porque hoje elas se confundem muito. Não digo que sejam termos que não existem, porque enquanto houver duas correntes uma estará à esquerda em relação à outra. Mas hoje é confuso usá-los. De minha parte, prefiro dizer que a antítese fundamental na América Latina é entre a democracia e o populismo. O populismo representado, basicamente, por Venezuela, Cuba um pouco em decadência, Honduras, Nicarágua, Equador, de certo modo Bolívia. E a linha democrática seria Uruguai, Brasil, Chile, México. A Argentina oscila.Cultura – O culto dos mitos que o senhor analisa em Comediantes y Mártires é um braço do irracionalismo que o senhor também abordou no livro anterior El olvido de razón? É uma retomada do tema?Sebreli – Sim, meus livros, apesar das temáticas muito diferentes, seguem um fio condutor. Sempre me propus a lutar contra as concepções irracionalistas e a desmitificar os enganos ideológicos que lamentavelmente predominaram no século 20 e seguem predominando no século 21. Por exemplo, sobre Maradona eu escrevi em La Era del Fútbol, sobre o Che escrevi Las Ideas Políticas Argentinas, sobre Evita escrevi um livro que se chama Los Deseos Imaginarios del Peronismo e sobre Gardel escrevi Buenos Aires, Vida cotidiana y Alienación. São temas nos quais venho tocando há quase meio século e que volto a abordar com diferentes perspectivas e de maneira mais refinada, mais desenvolta. Sempre me comparo com Manet, que pintava permanentemente os mesmos nenúfares, mas que resultavam em quadros distintos.
Cultura – O senhor cita o gol que Maradona fez com a mão em 1986 contra os ingleses na Copa do Mundo como símbolo de um caráter argentino que não se conforma com as leis do jogo. O senhor vê semelhanças entre essa característica argentina e o Brasil, que também cultua o jogador “malandro” e o “jeitinho”?Sebreli – Não conheço bem o futebol brasileiro, então sobre isso não posso falar. Mas de qualquer maneira creio que entre os dois ídolos máximos, Maradona e Pelé, há diferenças. Pelé seguia mais as regras do jogo, e Maradona foi o transgressor por excelência. Nesse sentido, a glorificação da transgressão à lei é um defeito lamentavelmente argentino, na política, na vida cotidiana e no esporte, que reflete a vida real. A transgressão à lei é um dos nossos problemas fundamentais. O gol mais festejado de Maradona não foi feito dentro da regra, foi esse com a mão, uma trapaça. Não teve importância para ninguém que esse gol tenha decidido a partida com uma trapaça, ao contrário: diziam que se devia reformar as leis do esporte para que valesse. A que ponto se chegou. Maradona é um modelo muito negativo.
Cultura – Em La Era del Fútbol o senhor escreve sobre o futebol como elemento opressivo de alienação. Para o senhor o futebol é tão obstáculo à democracia quanto o culto aos ídolos?
Sebreli – Sim, porque os valores que o futebol exalta eu considero negativos. A violência, em um primeiro momento. Em todas as partes, e na Argentina especialmente, o futebol sempre foi violento. Outro valor é o nacionalismo, algo que eu considero nefasto. A xenofobia, o machismo, todos os valores que considero indesejáveis para uma sociedade livre, democrática e moderna.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Tour de France 2009



Angelo Furlan da Italia fazendo curativo

Monte Carlo - Monaco


Entre Vatan e Saint-Fargeau-Ponthierry


Thomas Vockler da França depois de percorrer 196.5 km no quinto estágio


Entre Gerona e Barcelona na Espanha


O Alemão Dieter "Didi" Senft, "El Diablo"

O britânico Mark Cavendish em Saint-Fargeau-Ponthierry, França.


Vitel - França


Ponte entre Limoges e Issoudun

Assisti na televisão (TV5 e ESPN) algumas cenas magníficas do Tour de France 2009. É muito bacana ver essa competição que passa por todas as regiões francesas, inclusive na Catalunia espanhola. As imagens feitas por motocicletas que correm entre os competidores e helicópteros mostram o circuito, as cidades e as multidões que acompanham o espetáculo. Uma coisa é certa: a França é um pais que vale a pena ser visitado.