Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 19 de janeiro de 2010

EUA, o Eterno Culpado



As teses se repetem, porque os culpados são sempre os mesmos. Tudo que existe de ruim, de pobreza, de mazela, de tragédia na Africa, na Asia e nas Américas é causado pela exploração dos ricos. Quem tem grana é sempre o culpado. No caso do Haiti e de todas as mazelas que acontecem na América Latina, o eterno culpado são os EUA. É isso o que insiste em dizer certa esquerda, como se lê do artigo do doutor em economia pela Universidade de Michigan e  codiretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas, em Washington, Mark Weisbrot, em artigo publicado na Folha de hoje.

A charge acima é do Angeli


O Brasil deve defender a democracia no Haiti


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Os EUA, ao lado de Canadá e a França, conspiraram abertamente durante quatro anos para derrubar o governo eleito do Haiti


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Muito tempo antes do terremoto, a situação do Haiti já era comparável à de muitos sem-teto nas ruas de grandes cidades dos EUA: pobres demais e negros demais para ter os mesmos direitos concretos que outros cidadãos.


Em 2002, quando um golpe militar que teve o apoio dos EUA afastou temporariamente o governo eleito da Venezuela, a maioria dos governos no hemisfério reagiu rapidamente e ajudou a forçar o retorno do governo democrático. Mas, dois anos mais tarde, quando o presidente haitiano democraticamente eleito, Jean-Bertrand Aristide, foi sequestrado pelos Estados Unidos e levado de avião para o exílio na África, a reação foi fraca.


Diferentemente dos dois séculos de saque e pilhagem do Haiti desde sua fundação graças a uma revolta de escravos em 1804, da ocupação brutal por fuzileiros navais dos EUA entre 1915 e 1934 e das incontáveis atrocidades cometidas sob ditaduras auxiliadas e apoiadas por Washington, o golpe de 2004 não pode ser relegado ao esquecimento, visto como nada mais que "história antiga". Aconteceu há apenas seis anos e é diretamente relacionado ao esforço de ajuda e reconstrução que o presidente Obama está propondo agora.


Os Estados Unidos, ao lado de Canadá e a França, conspiraram abertamente durante quatro anos para derrubar o governo eleito do Haiti, cortando quase toda a ajuda internacional ao país com o objetivo de destruir sua economia e torná-lo ingovernável. Eles conseguiram.


Para aqueles que se indagam por que não existem instituições governamentais haitianas para ajudar com os esforços de socorro e ajuda às vítimas do terremoto, essa é uma das grandes razões. Ou o porquê de haver 3 milhões de pessoas amontoadas na área atingida pelo terremoto.


A política dos EUA ao longo dos anos também ajudou a destruir a agricultura haitiana, por exemplo, ao forçar a importação de arroz americano subsidiado e eliminar milhares de plantadores de arroz haitianos.


O primeiro governo democrático de Aristide foi derrubado após apenas sete meses, em 1991, por oficiais militares e esquadrões da morte que, mais tarde, se descobriu estarem a soldo da Agência Central de Inteligência dos EUA. Agora Aristide quer retornar a seu país, algo que a maioria dos haitianos reivindica desde sua derrubada.


Mas os EUA não o querem ali. E o governo Preval, que é completamente dependente de Washington, decidiu que o partido de Aristide -o maior do Haiti- não será autorizado a concorrer nas próximas eleições (previstas originalmente para fevereiro).


O medo que Washington tem da democracia no Haiti talvez explique o porquê de os Estados Unidos agora estarem enviando 10 mil soldados e priorizando a "segurança", em lugar das necessidades de vida ou morte dos milhares de pessoas que precisam de atendimento médico urgente.


Na manhã de domingo, o mundialmente renomado grupo humanitário Médicos Sem Fronteiras queixou-se que um avião transportando sua unidade hospitalar móvel foi obrigado pelos militares americanos a mudar de rota, passando primeiramente pela República Dominicana. Isso custaria 24 horas cruciais e um número desconhecido de vidas.


Essa ocupação militar por tropas dos EUA vai suscitar outras preocupações no hemisfério, dependendo de quanto tempo elas permanecerem -assim modo como a ampliação recente da presença militar dos Estados Unidos na Colômbia vem sendo recebida com insatisfação e desconfiança consideráveis.


Organizações não governamentais vêm levantando outras questões sobre a reconstrução proposta: compreensivelmente, querem que a dívida remanescente do Haiti seja cancelada e que sejam feitas doações ao país, e não empréstimos (o FMI propôs um empréstimo de US$ 100 milhões). As necessidades da reconstrução chegarão a bilhões de dólares.


Será que Washington vai incentivar o estabelecimento de um governo que funcione? Ou vai impedi-lo, canalizando a assistência por meio de ONGs e assumindo ele próprio várias outras funções, devido a sua oposição de longa data à autonomia do Haiti?


O Brasil não segue a linha de Washington na América do Sul nem, mais recentemente, o fez em Honduras, "quintal" dos Estados Unidos -onde o governo brasileiro defendeu em vão a restauração da democracia após o golpe de 28 de junho, e a administração Obama, não.


Por que não defender a democracia também para o Haiti, mesmo que Washington seja contra?

2 comentários:

charlie disse...

O esquerdista convencional precisa de um bicho-papão para explicar as mazelas do mundo. É o como o diabo para o religioso, figura indispensável.

Adalberto Ferreira disse...

Do ponto de vista do Banco Mundial e da Agência para Desenvolvimento Internacional dos EUA (Usaid), o Haiti era um candidato perfeito para uma reforma neoliberal. A pobreza enraizada do povo haitiano poderia ser usada para forçá-lo a trabalhar por baixos salários costurando bolas de beisebol e montando outros produtos.

Mas a Usaid também tinha planos para a zona rural. Não eram somente as cidades que se tornariam bases de exportação, mas também o campo, com a agricultura haitiana reformulada com as linhas de exportação orientada e produção baseada no mercado. Para realizar isso, a Usaid, ao lado de industriais urbanos e grandes proprietários, trabalhou para criar instalações de agroprocessamento, mesmo enquanto eles aumentavam a prática de dumping para produtos agrícolas excedentes dos Estados Unidos ao povo haitiano.

Essa “ajuda” dos norte-americanos, juntamente com mudanças estruturais no campo de maneira previsível, forçaram os camponeses haitianos que não poderiam sobreviver ali a migrar para as cidades, especialmente para Porto Príncipe, onde os novos trabalhos na indústria supostamente estariam. No entanto, quando eles chegaram lá, não encontraram emprego suficiente para todos na indústria. A cidade ficou cada vez mais lotada. As favelas se expandiram. E para satisfazer a necessidade de habitação de camponeses desalojados, casas foram sendo erguidas rapidamente e a um preço mais baixo, algumas vezes “umas em cima das outras”.

Muito tempo atrás, porém, planejadores norte-americanos e elites haitianas decidiram que talvez seu modelo de desenvolvimento não funcionaria tão bem no Haiti, e o abandonaram. No entanto, as consequências dessas mudanças lideradas pelos norte-americanos continuam.

Na tarde e noite de 12 de janeiro de 2010, quando o Haiti vivenciou o terrível terremoto, depois do abalo não havia dúvidas que a destruição foi profundamente agravada pela real superpopulação e pobreza de Porto Príncipe e arredores. Mas os norte-americanos chocados podem fazer mais que balançar a cabeça e, com piedade, fazer uma doação. Eles podem confrontar a responsabilidade do seu próprio país pelas condições de Porto Príncipe que aumentaram o impacto do terremoto, e admitir o papel dos EUA de impedir o Haiti de alcançar um desenvolvimento significativo.

Aceitar a história incompleta do Haiti oferecida pela CNN e pelo The New York Times é culpar os haitianos por terem sido vítimas de um esquema que não foi criado por eles. Como John Milton escreveu, “eles, que tiraram os olhos das pessoas, são aqueles que as reprovam por sua cegueira”.

* Carl Lindskoog é ativista da cidade de Nova York e historiador doutorando da City University of New York. Artigo originalmente publicado no site Common Dreams.