Existem Blogs que eu leio, mas não comento. No passado recente comentava e participava de certos Blogs da nossa complicada esquerda. Hoje não comento porque sou censurado, não posso falar o que penso, sob pena de não ser publicado. Coisas de bobalhão. Mas confesso que perambulo por eles e pesco coisas interessantes, como essa do Diário Gauche sobre a idiotização das pessoas. O DG continua ortodoxo em suas teses: a luta de classes (eu concordo que ela existe) é caminho para a modernização e evolução da sociedade e, portanto, é importantíssimo fomentar o antagonismo social. Quem ousar criticar ou se contrapor a esse processo já determinado pela história não é apenas um "alienado", mas um medíocre, um idiota, um ser que se contenta com os simples "gadgets" da vida, aquele que cai na armadilha do "fetiche da mercadoria". E por isso o DG continua a fazer o seu controle ideológico, uma espécie de superego dos nossos resvalos pelos fascismos do dia a dia, como diria o Foucault, o pai da ditadura do politicamente correto. A vítima da vez é o Milan Kundera que sentiu na pele e no osso que a questão da luta social não se resolve alimentando antagonismos. Não discordo totalmente do que o DG diz neste post. Acho sim que o mundo caminha por um processo de idiotização. O Brasil, o povo brasileiro, caminha neste processo de banalização do medíocre, como se constata, por exemplo, pelos programas de tv aberta dos domingos de tarde. Mas penso diferente do DG e minha conclusão é outra. Acho que a história não está determinada, ela se constroi aos poucos, passo a passo, com nossos avanços e retrocessos. Concordo que a luta de classes movimenta as contradições do motor da dialética da nossa existência, mas existem formas razoaveis e sensatas de resolver essa luta. Fomentar o antagonismo social é processo que leva, inevitavelmente, a uma situação de violência e desestabilização social, sobretudo numa sociedade complexa e difusa como a nossa. A forma razoável, crível, ponderada de resolver a questão da luta de classes é exatamente a linguagem do desenvolvimento social. Existem caminhos -- que não são mediocres e nem banais -- para alcançarmos a necessária inclusão social dos excluídos. Basta segui-los, mas não com a receita sugerida pelo Diário Gauche, o post, na íntegra está abaixo.
Sobreviverão ao próprio planeta
Há um visível recrudescimento na idiotização das pessoas. A mídia é a principal usina de produção em série de idiotas e tolos de todos os calibres. O nivelamento por baixo e o achatamento geral do imaginário médio é a principal contribuição dos modernos meios de comunicação de massas. Hoje, é muito fácil encontrar o que eu chamo de idiota triunfante, aqueles sujeitos que se orgulham da própria ignorância e pobreza de espírito. O tolinho jactancioso tira prazer onanista da sua condição, e se basta.
O espírito de nossa época - o Zeitgeist, como diz apropriadamente o alemão - flutua numa emulsão formada por dois elementos: a ciência (as tecnologias) e a idiotice. Os idiotas de nosso tempo se projetam nos gadgets que encontram pelo caminho. Observem: todo o tolo que se preza porta pelo menos um artefato mecânico ou eletrônico. Não vive sem essas muletas. É a sua forma de se referenciar com o mundo, de comunicar a sua estupidez relativa ("afinal, estou conectado ao futuro!").
Mas o fenômeno não é original. Gustave Flaubert, o corrosivo crítico da burguesia, ainda no século 19 já havia detectado o fenômeno da tolice social. Para tanto, começou a colecionar os ditos correntes do senso comum e reuniu-os no famoso Dictionnaire des idées reçues ("Dicionário das ideias feitas", numa tradução livre). O escritor francês comentou - e publicou nesta pequena obra de pouco mais de cem páginas - todas as bobagens ditas pelas pessoas que queriam parecer inteligentes e atualizadas. Aliás, Flaubert seria o descobridor da tolice. Quem garante é Milan Kundera, para quem a tolice é a maior descoberta de um século - o 19 - tão orgulhoso de sua razão científica. Antes de Flaubert não se duvidava da existência da tolice, embora esta fosse compreendida de um modo diferente. A tolice era considerada como uma simples falha do conhecimento, um vazio provisório, passível de ser preenchido pela instrução. Mas Flaubert insiste, e praticamente sustenta a sua obra baseada no tema da tolice e da idiotia. Ema Bovary é uma tola que aspirava ser amada por todos os homens. Bouvard e Pécuchet são dois pequenos idiotas que aspiram conhecimentos enciclopédicos acerca de tudo. Leio agora na Wikipédia que Barthes considerou "Bouvard e Pécuchet" como "uma obra de vanguarda". A considerar a idiotia galopante de nossos dias, pode ser.
Kundera brinca afirmando que "a descoberta flaubertiana é mais importante para o futuro da humanidade que as ideias mais perturbadoras de Marx ou de Freud". Pois podemos imaginar o futuro do mundo - prossegue Kundera - sem a luta de classes ou sem a psicanálise, mas não a invasão irresistível das ideias feitas, estandardizadas, pasteurizadas, que, "inscritas nos computadores, propagadas pela mídia, ameaçam tornar-se em breve uma força que esmagará todo o pensamento original e individual e sufocará assim a própria essência da cultura européia dos Tempos Modernos".
O mais chocante - constatado pelos geniais romances de Flaubert - é que a tolice não se apaga diante da ciência, das altas tecnologias, da pósmodernidade (seja lá o que isso signifique). Milan Kundera ousa afirmar que "ao contrário, com o progresso, ela também progride!"
Arrisco a dizer que os bobalhões e as baratas sobreviverão ao próprio planeta.
"Coisas da vida" - como diria Kurt Vonnegut, outro escritor especialista em tolos e idiotas.
8 comentários:
Super interessante esse seu texto. Eu pensava sobre isso ainda ontem. Nesse fim de semana eu estive em Berlim, visitei alguns museus e bisbilhotei bastante o desenvolvimento da cidade. Em 2006 ela era um verdadeiro canteiro de obras e hoje se vê o resultado. Nas minhas andanças, bati papo com pessoas de Frankfurt e Munique cujo sucesso profissional e condição financeira eram evidentes. Ficaram no entanto constrangidos quando perguntei se o imperador Francisco Jose I (aquele conhecido como marido da Sissi) havia sido imperador da Alemanha. Engasgaram, ficaram roxos de vergonha. Não sabiam nada da história do país. Eram idiotas com dinheiro e roupas bonitas. Entendiam de vinhos e sabiam tudo sobre NY. Surpreendentemente, perguntei ao taxista que deveria ter uns 40 anos, e ele me deu uma aula da história, me explicou sobre o imperador, sobre a Prússia, a briga entre a Austria e a Prússia, porquê a Alemanha mudou de nome, comentou os museus, etc... Percebi que ele havia recebido uma educação excelente, e que não era um idiota. Teve apenas o azar de se inserir no mercado capitalista muito tarde. Como ele havia nascido na Berlim Oriental, perguntei se ele achava melhor agora ou antes, se preferia a influência americana ou russa. Ele não titubeou. Falou que se a queda do muro era para deixar os alemães do lado oriental nessa situação, preferia como antes. Falou que embora os dois lados tenham pontos positivos, a Rússia havia feito muito pelos alemães orientais e que eles viviam melhor. Que na atual Alemanha o único valor era o dinheiro, que nada mais importa, e que os alemães orientais ficaram em uma situação muito mais díficil do que a que estavam. Como sou um burguês convicto e de direita, fiquei decepcionado com a resposta, mas pensei nisso durante todo o vôo de volta. Até que o processo de idiotização dos alemães orientais esteja concluído, eles sofrerão muito.
Adorei, a foto de SP. Me deu saudades da época em que eu trabalhava no Robocop que aparece na foto.
Pelo que escreveste sobre Milan Kundera e o que li no texto do DG deu pra perceber que não entendeste nada.
Foi uma crítica velada, uma ironia, o DG é fã da luta de classes e crítico ácido de quem se intromete em seu caminho. Podemos dizer, também que foi uma ironia. De qualquer forma, estamos passando por uma fase onde a literalidade -- parece -- está se despedindo e dando espaço mais do que o devido ao pragmatismo das idéias prontas, estandartizadas, pasteurizadas.
O DG diz:
O mais chocante - constatado pelos geniais romances de Flaubert - é que a tolice não se apaga diante da ciência, das altas tecnologias, da pósmodernidade (seja lá o que isso signifique). Milan Kundera ousa afirmar que "ao contrário, com o progresso, ela também progride!"
Arrisco a dizer que os bobalhões e as baratas sobreviverão ao próprio planeta."
Será mesmo que a tolice progride, como pensa Kundera?
Terráqueo, hoje acordei cedo e assisti o jornal das 6:30 que entrevistou uma super executiva que morava em Londres e ganhava uma fortuna no mercado financeiro e largou tudo para fazer uma ONG. Sabe o que ela disse: no mundo de hoje não é necessário ganhar muito dinheiro para se viver bem. Eu concordo com ela. Por isso que gostei de Avatar que mostra que o mundo de hoje é dirigido pela ganância e o que efetivamente importa é quanto os acionistas das grandes corporações vão ganhar de dividendos. A Alemanha Oriental possibilitava um fim de vida tranquilo -- e modesto -- aos seus cidadãos, mas o custo disso foi o imenso: supressão de liberdades, falta de opção, desabastecimento etc. Hoje todo está preocupado com suas aposentadorias no mundo da competição capitalista. Eu também.
Para mim as idéias são validas quando ao serem aplicadas e resultam em resultados mensuráveis. Raciocinando assim, impiricamente concluo que o antagonismo social não gera diminuição da desigualdade social, ao contrário. Exemplo: Cheves fomenta o antagonismo de classe e o resultado é desemprego, desabastecimento, aumento da violência e serceamento da liberdade isto até onde sei. Outro exemlo classico foi o do Socialismo Real cujo resultado macabro superou em muito o resultado das idéias de Hitler. As desigualdades sociais tem que cada vez diminuirem mais, concordo. Na minha opinião, seguindo as idéias do meu Partido o PSDB. Mas como devo ser um idiota, posto que não sou de estrema esquerda também sou podado no DG.
Fabuloso o texto. Ou como diz o meu filho: fantabuloso.
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