Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 17 de março de 2008

Russell Banks - O Cara-Metade


Pesquei do Caderno Mais da Folha de ontem.


Considerado o grande escritor da esquerda em seu país, o norte-americano Russell Banks (1940) analisa na entrevista abaixo, concedida à revista francesa "Nouvel Observateur", o que está em jogo na campanha presidencial dos Estados Unidos.



PERGUNTA - Dezoito meses atrás, o sr. declarou que a eleição para a Casa Branca seria disputada por John McCain [republicano] e Barack Obama. Quem irá vencê-la, então?


RUSSELL BANKS - Isso é bem mais difícil prever. Embora Hillary Clinton ainda seja uma candidata poderosa, apoiada pela máquina democrata e por recursos financeiros colossais, Barack Obama soube reconciliar com a política toda uma geração de jovens americanos, a qual, até então, inspirava neles apenas repulsa e cinismo. Eles estavam convencidos de que seu voto não poderia mudar nada. Não vejo um político americano suscitar tamanho entusiasmo entre os jovens desde Robert Kennedy, em 1968, antes de seu assassinato. Ninguém, desde Bobby Kennedy, conseguiu motivar de tal maneira ricos e pobres, brancos, negros e hispânicos, numa coalizão inédita desde Franklin Roosevelt. Portanto, acredito, sim, numa vitória possível de Obama. Mas não me esqueço de que, há exatamente 40 anos, Robert Kennedy foi assassinado, no mesmo ano que Martin Luther King, e isso me inquieta. Obama tem quase um excesso de carisma, de visibilidade, de capacidade de mobilizar pessoas. Acontece que os EUA detêm o recorde mundial de número de armas por habitante e manifestam uma propensão pela violência sem igual no mundo ocidental. Há tantos loucos em liberdade que estariam dispostos a sacrificar suas vidas para atingir a imortalidade! Apenas em fevereiro, assistimos a nada menos do que seis massacres em escolas e universidades, massacres sistematicamente concluídos por um suicídio. Há pessoas que se dispõem a se matar ou a se fazer matar, apenas para poder matar a outros. Os EUA possuem sua variedade própria de kamikazes, e isso me apavora. Embora eu não compartilhe de todas as idéias de Obama, como fenômeno ele me fascina. Em muitas questões eu o considero moderado demais. Mas é justamente seu centrismo que lhe permite amealhar apoio de vários lados. Mesmo minha mãe, cristã evangélica de 94 anos que sempre votou no Partido Republicano, está se perguntando em quem vai votar desta vez. Ela, que nunca teve amigos negros, nunca teve contato com negros, exceto por meus amigos, não sente medo de Obama. Pela lógica, ela deveria votar em McCain, porque ele é republicano e lhe parece ser honesto, mas, para minha grande surpresa, ela se sente atraída por Obama.
PERGUNTA - E a imagem dos EUA mudaria radicalmente aos olhos do mundo? BANKS - Certamente. Os jovens americanos têm consciência de que nosso país virou um monstro aos olhos do mundo e deploram o fato. Querem aproveitar essa chance de voltar a sentir orgulho de seu país. Eles passaram suas vidas se sentindo na defensiva: os que têm menos de 30 anos praticamente não conheceram de fato senão a Presidência de George W. Bush. Mesmo Bill Clinton, para eles, não passa de uma recordação vaga. Portanto, vivemos um momento de exaltação. Estamos numa encruzilhada: se Obama for escolhido candidato democrata, isso vai devolver a esperança a uma juventude americana desesperançada e pessimista; mas, se ele for derrotado por McCain ou assassinado, a desilusão será ainda pior, na medida das esperanças suscitadas. Os EUA mergulharão no desespero e na negatividade. Isso seria um retorno à situação atual, sem ideal, que provocaria apenas distanciamento e resignação, e na qual a oposição seria acompanhada por um sentimento de impotência. E, se for Hillary Clinton a vencedora no Partido Democrata, a coalizão popular formada em torno de Obama não tardará a se desfazer.
PERGUNTA - O sr. enxerga diferenças entre os programas de Hillary e de Obama? BANKS - É uma questão de nuanças. Seus programas se assemelham muito. A força de Obama consiste no fato de se opor à guerra no Iraque. Mas seu programa para pôr fim a ela não parece ser diferente do de Hillary. A pressão da opinião pública para que se acabe com essa guerra é tão forte que, não importa quem seja o próximo presidente, ele será obrigado a retirar as tropas americanas do Iraque. Deverá variar apenas o prazo em que isso será feito. O próximo presidente terá que redefinir completamente a política externa americana. Mesmo McCain tem consciência disso. Apesar de ter declarado que as tropas americanas podem ser chamadas a permanecer no Iraque por um século, ele não demorará a rever sua posição se for eleito presidente, pois a economia americana não possui meios para sustentar o esforço de guerra por tanto tempo. Já se começa a fazer a ligação entre a guerra e o declínio econômico do país. A recessão é tão brutal que provoca uma tomada de consciência, apesar de nenhum dos três principais candidatos ter ousado, até agora, traçar publicamente uma ligação de causa e efeito entre esses fenômenos.
PERGUNTA - Excetuando a guerra, quais são os temas mais importantes dessa campanha?

BANKS - O sistema de saúde constitui a primeira preocupação dos americanos. E os políticos, pelo menos os democratas, são obrigados a reagir a essas preocupações. Depois, na ordem, vêm a situação econômica e o Iraque. A política de segurança do governo Bush e as violações dos direitos civis decorrentes dela vêm em posição bastante inferior na lista. Isso porque a maior parte dos americanos não sente os efeitos em sua vida pessoal, enquanto a crise do sistema de saúde e a recessão econômica os tocam diretamente. Vão perder seus empregos, suas casas, suas aposentadorias, seu poder de compra. Suas receitas vêm caindo, enquanto os preços sobem, quer se trate dos alimentos ou da gasolina nos postos de combustíveis. As pessoas reagem politicamente ao que sofrem pessoalmente em seu dia-a-dia. O momento eleitoral lhes permite pouco a pouco ir associando a crise às questões de política externa. Essa tomada de consciência começou há apenas dois meses: a idéia de que é impossível mudar a situação econômica sem mudar a política externa.
PERGUNTA - O sr. acha que Obama é mais facilmente elegível porque sua trajetória o aproxima do imigrante clássico e pelo fato de não ser descendente de escravos? BANKS - Ele tem pele clara, tem "traços europeus", fala com sotaque americano "standard" impecável, estudou em Harvard, escreve bem -é o único candidato a ter escrito sua autobiografia-, é brilhante, carismático, cristão, casado com uma mulher fantástica. Entretanto, no sentido estrito do termo, é um afro-americano autêntico! Mas há algo muito importante: quando o vêem, os brancos não se sentem culpados, porque Obama não encarna a memória da escravidão. Ele próprio tem plena consciência dessa percepção e joga com ela de modo muito inteligente. Ao mesmo tempo, porém, ele não pode ser eleito sem o voto negro. Precisa conciliar os dois eleitorados. É divertido rever suas fotos de juventude, quanto usava penteado afro! Na época, tenho certeza de que ele se definia como afro-americano, pois foi vítima do mesmo racismo que os descendentes de escravos. É tudo uma questão de percepção. Acho que foi em Harvard que ele compreendeu que a cor de sua pele não o vinculava obrigatoriamente a essa história, pois sua história pessoal lembra muito mais o percurso arquetípico de um filho de imigrante.
PERGUNTA - Em seu novo romance, cuja história se passa pouco após a Grande Depressão, o sr. evoca Hemingway, Steinbeck, Dos Passos. É uma homenagem a seus mestres?

BANKS - Se situei a trama nesse período foi porque, desde os anos 1930, o abismo entre ricos e pobres nunca esteve tão grande nos EUA. No início dos anos 1960, Hemingway, Steinbeck e Faulkner ainda estavam vivos, e sua presença era muito concreta. Na época, eu tinha consciência de escrever à sombra desses gigantes. Mas, se os evoco neste livro, é por outras razões: eu estava interessado no dilema desses escritores americanos de esquerda que se sentiam solidários com os pobres e oprimidos, mas cujo meio social, seus mecenas, sua celebridade, sua fortuna e sua própria base de leitores vinculavam à classe dirigente que queriam derrubar. Os EUA acreditam no mito de que um artista pode pertencer a qualquer classe, mas eu, cada vez mais, creio que um artista não pode pertencer a classe nenhuma. Para tentar dizer a verdade, ele não pode dever fidelidade a ninguém.
Copyright: "Le Nouvel Observateur". Tradução de Clara Allain .

Um comentário:

Benedictus Blackwhite disse...

O Depósito do Maia é um blog de primeira. Obrigado por me visitar e me incluir aqui, entre aqueles blogs bons.