O chanceler brasileiro Celso Amorim
A entrevista do nosso chanceler Amorim, na Folha de ontem, é uma bela síntese da política externa brasileira no governo Lula. Ele chega a ser irritante.
Sobre as armas vendidas pela Suécia à Venezuela e apreendidas pela FARC ele diz o seguinte:
FOLHA - Por outro lado, o Brasil não se preocupa também com a queixa da Suécia de que armas vendidas à Venezuela foram parar com as Farc?
AMORIM - Não sei quando ocorreu, nem se ocorreu, e, se ocorreu, se foi antes ou depois do Chávez. E se foram roubadas? De qualquer maneira, vamos e venhamos, é só um episódio.Muitas armas chegam lá, nas Farc, como chegam nas favelas do Rio. Esse episódio é uma coisa desse tamanhinho comparado com as bases militares.
Como se vê, o nosso chanceler não está preocupado com Hugo Chávez e suas sombrias ligações com as FARC, mas com as bases militares americanas na Colômbia. Afinal, quem são os inimigos, as FARC ou os americanos?
FOLHA - O presidente Hugo Chávez tem razão ao reclamar?
AMORIM - Compreendo as preocupações da Venezuela. Diz-se que o alvo principal é o narcotráfico e ao mesmo tempo há relatórios do Congresso americano dizendo que a Venezuela estaria sendo conivente, ou leniente, com o narcotráfico. Daí, põem-se num país que é vizinho da Venezuela bases americanas -ou bases colombianas para uso americano, não importa. Gente! É a história do Millôr Fernandes: "O fato de eu ser paranoico não significa que não esteja sendo perseguido".
Perseguido por quem cara pálida? Pelos americanos?
Sobre Honduras, o nosso ilustre chanceler fala o seguinte. Tudo bem, Zelaya é o presidente democraticamente eleito e que sofreu um golpe, mas se o povo apoia o golpe?
FOLHA - No caso de Honduras, já não há sinais também de que o consenso contra o golpe não é mais tão sólido assim nos EUA?
AMORIM - Tem gente que pensa de maneira antiga, lá como em qualquer lugar do mundo. Às vezes até por laços de amizade. É preciso dar força ao governo dos EUA, até para que todos percebam que não se trata de uma posição só do Obama, nem um capricho da Hillary Clinton, mas sim de todo o continente, a favor da volta do presidente Manuel Zelaya.
Sobre o pacote de bondades ao Paraguai:
FOLHA - E o pacote de bondades para o Paraguai?
AMORIM - Estamos redefinindo uma relação, que deve ser percebida como verdadeira parceria pelos dois lados. Buscamos um termo médio. E, afinal, a verdade é que o Paraguai é de fato muito pobre e ali vivem centenas de milhares de brasileiros. Ninguém nem sabe quantos. Tudo isso é importante para o Brasil.
FOLHA - Quem paga a conta da triplicação do que o Brasil paga pela cessão de energia e da doação de uma linha de transmissão de US$ 450 milhões para eles consumirem lá uma energia que hoje a gente consome cá?
FOLHA - Quem paga a conta da triplicação do que o Brasil paga pela cessão de energia e da doação de uma linha de transmissão de US$ 450 milhões para eles consumirem lá uma energia que hoje a gente consome cá?
AMORIM - Pelo amor de Deus! Eles são donos de metade da usina, de metade da água. Eu não posso querer ficar com toda a energia. O que o presidente Lula decidiu é que não será o consumidor.
FOLHA - Mas só existem três formas: ou o contribuinte, ou o consumidor, ou a entidade consumidor-contribuinte.
AMORIM - Concordo, mas sabe quanto a cessão representa do orçamento total de Itaipu? Menos de 10%. A relação com o Paraguai é muito mais complexa do que isso.
Enfim, o governo brasileiro reconhece que alguém -- nós os brasileiros -- vai pagar essa conta.
Sobre o assunto, também na Folha de ontem. Análise de Ricardo Bonalume Neto:
Crítica a uso de bases militares explora antiamericanismo
O presidente venezuelano Hugo Chávez é um gênio da propaganda. Conseguiu que a América Latina desviasse a atenção de um fato seríssimo -a Colômbia ter achado com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) foguetes antitanque AT-4 que foram vendidos pela Suécia ao Exército da Venezuela-, para começar a reclamar em uníssono contra um fato trivial: um pequeno aumento do número de militares americanos em cinco bases colombianas.Chávez sabe explorar habilmente o antiamericanismo sempre latente na região.Há vários motivos para um fato ser sério e outro, trivial. Armas das Forças Armadas de um país serem encontradas com a narcoguerrilha em um país vizinho é algo sério, ilegal e que mereceria investigação. Permitir que militares de um país amigo façam operações conjuntas e utilizem bases é algo trivial e legítimo em qualquer parte do mundo, desde que aprovado pelo governo local.O aumento do número de militares e civis americanos na Colômbia já era esperado desde que o Equador decidiu não renovar a permissão para os EUA usarem a base aérea de Manta. Para os EUA poderem continuar fazendo voos com os aviões-radar de alerta antecipado E-3 Sentry AWACs e de patrulha marítima P-3 Orion, precisariam de novas bases.Pode-se argumentar que os EUA vão mais que "triplicar" o número de militares. Mas o número em si é pequeno: de 250 para 800 militares, além de 600 contratados civis. Não é bem uma invasão.A localização das bases também deixa claro que o foco é em operações contra traficantes, não um "cerco" à Venezuela, como reclamou Chávez. Há um fluxo de droga por mar e ar.Duas das bases onde operam ou operarão os americanos estão no litoral do Caribe -a base naval Bolívar, em Cartagena, e a base aérea Alberto Pouwels, em Malambo (Barranquilla). Uma está no Pacífico -base naval Bahía Málaga, ideal para substituir Manta. E duas estão no interior -base aérea Palanquero, em Puerto Salgar, e base aérea Apiay, em Villavicencio.Um detalhe óbvio está ausente: desde quando os EUA precisariam de bases na América Latina se quisessem intervir militarmente na região?Há só uma superpotência militar no planeta hoje. Nenhum outro país tem o alcance global das Forças Armadas dos EUA.Ter bases próximas de onde se queira atacar é útil, mas não essencial. Se quisessem bombardear Caracas e Chávez, não seria preciso uma base na Colômbia. Basta lembrar que os EUA usaram porta-aviões para atacar o Afeganistão em 2001.Um porta-aviões nuclear USS Nimitz tem 100 mil toneladas de deslocamento. Carrega 85 aeronaves e quase 6.000 tripulantes. Basta um para varrer a Força Aérea Venezuelana do mapa. A Marinha dos EUA tem dez destes navios e um mais velho, o USS Enterprise.O antiamericanismo era típico da época em que de fato os EUA intervinham militarmente na América Latina. Antes da Segunda Guerra, era rotina ter fuzileiros navais ocupando países como Cuba, Haiti, República Dominicana, Nicarágua. Depois, houve na Guerra Fria o apoio explícito a ditaduras para evitar novas Cubas.Mas, com a redemocratização do continente a partir dos anos 80, desaparecem motivos e pretextos para intervenções.Uma curiosa exceção aconteceu em dezembro de 1989, quando o então presidente americano George H. W. Bush ordenou a invasão do Panamá para derrubar o ditador e narcotraficante Manuel Noriega.O mais novo porta-aviões nuclear dos EUA chama-se USS George H. W. Bush -nome que decerto desagrada a Chávez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário