Símbolo cristão no Senado.
Confesso: sou agnósico, mas não fico incomodado em ver a cruz de Cristo nas instituições públicas. Claro, poderia estar ali o símbolo dos muçulmanos ou a estrela de David dos judeus. Melhor é acabar com os símbolos, como fez a França recentemente. Questão de lógica.
Sagrada laicidade
Artigo de Roberto Livianu na Folha de hoje.
Por que será que certas forças conservadoras têm defendido com tanta veemência a manutenção de símbolos de uma única religião em prédios públicos? Por que negar a norma constitucional que determina a separação entre Estado e religiões no Brasil? A quem interessa esse retrocesso? No ano que vem, o decreto 119-A completa 120 anos de vida. Ele significou um marco histórico, a partir do qual o Brasil optou pelo Estado laico. E determinou pela primeira vez a separação entre Estado e religiões. Por força dessa norma, cemitérios passaram a ser administrados pelo Estado e instituiu-se a figura do casamento civil. Isso aconteceu em um contexto de transformações sociais e políticas trazidas pelo novo Estado republicano -que, aliás, no ano seguinte ao decreto, adotaria a laicidade na própria Constituição Federal. A partir daí, várias questões têm vindo à tona para testar o quanto o Estado brasileiro é realmente laico. E para medir qual a magnitude da separação entre Estado e religiões no país. Na verdade, desde a reforma protestante, no século 16, Martinho Lutero alertou sobre os problemas relacionados à adoção do direito canônico como instrumento regulador da sociedade. Preocupava-se com a necessidade de ter leis laicas.Porque as leis canônicas se lastreiam em dogmas, verdades históricas absolutas e inquestionáveis. E a comunidade precisa de regras baseadas na racionalidade e mutáveis, porque o comportamento humano é dinâmico e, por isso, mutável. Antes dessa separação, também os conceitos de crime e pecado se confundiam. As penas criminais eram, na verdade, castigos a serem impostos àqueles que violavam interesses da igreja ou do Estado, principalmente. E a pena principal era a de morte. As ideias do modernismo determinaram profunda revisão de conceitos, colocando a dignidade humana como foco de preocupação dos povos. Apesar disso, no Brasil, setores conservadores, avessos ao respeito à Constituição, dizem que a maioria do povo é católica e que isso deve determinar um tratamento privilegiado para a Igreja Católica.Chegam a propor, ainda que veladamente, na forma de acordo internacional, a violação do artigo 19 da Carta ao pretender uma reformulação do regime jurídico da relação Estado-religiões. Isso é negar a essência da democracia. Porque, no sistema democrático, a voz da maioria prepondera na escolha do governante. Mas o eleito, passadas as eleições, deve governar para todos, incluídas as minorias, e não apenas para a maioria que o escolheu. Essa concepção, que parece óbvia, é realidade concreta na França desde a revolução de 1789, tendo sido banidos de prédios públicos os símbolos religiosos. Da Justiça, das escolas, de todos. Também já se enterrou lá a ideia do ensino religioso em escolas. E não é só na França. O mundo ocidental como um todo caminhou nessa direção. E até mesmo em países monarquistas, como Inglaterra e Dinamarca, a manutenção de uma religião oficial não impediu a existência de ordenamento jurídico laico. Lá se respeitam na plenitude as liberdades públicas e os direitos civis dos cidadãos, sendo autorizado o casamento homossexual na Inglaterra e o aborto na Dinamarca, entre outros direitos. É triste constatar que, aqui no Brasil, quase 120 anos depois da opção pela república laica, deparamo-nos diariamente com incontáveis desrespeitos à cidadania. Que a neutralidade religiosa, que deveria ser a tônica das ações dos nossos agentes políticos, ainda seja meta distante de ser alcançada. Precisamos reafirmar a cada dia nossa opção republicana laica. E precisamos mostrar às próximas gerações de brasileiras e brasileiros que cada um tem o direito à liberdade plena. De manifestação, de associação. De crer ou não crer. E que ninguém tem o direito de se opor ao exercício desse direito. Que se opor a esse exercício significa negar a república, a democracia e a tolerância religiosa brasileiras. Portanto, em boa hora o Ministério Público Federal pediu à Justiça que sejam retirados símbolos alusivos a uma religião das dependências de prédios públicos federais. O espaço público é de todos, e não só dos adeptos daquela religião. Os agnósticos e ateus, assim como as minorias adeptas a todas e quaisquer religiões, têm direito de estar nesses locais sem se constrangerem com a existência de símbolos de uma religião à qual não aderiram. Trata-se de respeitar cada brasileiro e cada brasileira no exercício pleno de suas liberdades públicas, que devem ser defendidas sempre de forma intransigente.
ROBERTO LIVIANU, doutor em direito pela USP, é promotor de Justiça em São Paulo e coordenador, no Movimento do Ministério Público Democrático (MPD), de projeto sobre Estado laico.
4 comentários:
Lugar de imagem sacra é na Igreja. Ou em qualquer outro estabelecimento que não público (estatal).
Já fui agnóstico e agora sou ateu completo. Mas não vejo problemas em ter crucifíxos em repartições públicas. Não é exatamente a mesma coisa que ter uma estrela de Davi, embora também não ache que seria um problema. Acontece que a grande maioria do povo brasileiro se declara católica e muito poucos são judeus.
Tirar o que já é tradição não me parece uma atitude muito inteligente. Trata-se de uma ação punitiva. Não é a mesma coisa que não permitir que se coloque, mas retirar o que já tem. Na verdade, não existe nenhuma lei que mande colocar o tal crucifíxo, portanto, não precisa fazer uma lei para tirar de lá...
Vamos - a sociedade brasileira - discutir o que realmente interessa!
Parece-me um problema de representação. Ora, não pode haver diferenciação entre brasileiros, logo, os cristãos não deveriam receber essa distinção especial. Mesmo porque, se não é possível expor todos os símbolos, então que não se exponha nenhum.
Aqueles que defendem os crucifixos costumam procurar arrimo na tradição. Ocorre que essa tradição é inconstitucional (e irracional num Estado laico) portanto já tarda para desaparecer. Popa tem razão em apontar que existem assuntos mais importantes, porém resolver esse é avançar.
Nada mais "relativo" que um católico brasileiro. Culpa dos jesuitas no geral, e no meu caso culpa principalmente dos Irmãos Maristas,além de alguns padres e freiras de vários colégios.
Portanto pouco importa se existem símbolos relegiosos em prédios públicos desde é claro que a foto do "bispo" Macedo não seja colocada no Senado ou algo parecido...
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