Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 21 de julho de 2008

Comentário Impertinente e Intempestivo


Um chanceler deve ser, óbviamente, um diplomata. E tem coisas que um chanceler não pode dizer. O chanceler pode até pensar em certas coisas, mas não pode dizer. E não pode dizer, porque é chanceler. Um chanceler não pode ser impertinente e nem intempestivo, porque esse tipo de comportamento não faz parte da linguagem da diplomacia. E o nosso chanceler, ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim ao afirmar em Doha que o boicote dos países ricos às mudanças do status quo comercial internacional comparando essa atitude à do chefe da propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels foi de uma insensibilidade manifesta. Foi impertinente e foi intempestivo.


Na Folha de hoje:


Amorim lembrou que, em sua estratégia, Goebbels dizia que uma mentira contada muitas vezes acaba sendo aceita como verdade. Dada a sensibilidade do momento atual na economia global, em que se fala cada vez mais em protecionismo, e no qual fechar uma porta ao comércio se torna uma tentação cada vez maior para governos acuados diante do avanço da inflação dos alimentos e dos combustíveis no mundo todo, um comentário desse tipo só poderia causar melindre àqueles que esperam qualquer desculpa para dificultar o processo de abertura.



Mas, ao querer descredenciar toda a discussão sobre o injusto comércio internacional por causa da frase do ministro brasileiro, os porta-vozes dos países ricos agem de forma que pode ser considerada, no mínimo, fascista.
Entenda o que é a Rodada Doha
Susan Schwab, a representante comercial dos EUA --e descendente de sobreviventes do holocausto-- foi a primeira a reagir, através de seu porta-voz Sean Spicer. Ela disse que "esse tipo de comentário maldoso não tem lugar nessas negociações". Amorim pediu desculpas ontem pela declaração. Mas o que tirou com uma mão, recolocou com outra; ele insistiu no conteúdo da idéia de Goebbels: "Mantenho: repetir uma distorção faz com que as pessoas acreditem que ela é a verdade".
Em um tom um pouco menos diplomático, mais crítico, Spicer disse que "no momento em que tentamos encontrar um resultado bem sucedido para as negociações, esse tipo de declaração é altamente infeliz". "Para alguém que é ministro de Relações Exteriores, ele devia estar mais atento para alguns pontos sensíveis."
Ele ainda afirmou: "[Amorim] fazer declarações desse tipo é incrivelmente errado. Elas são insultuosas."
Por mais inoportuno que tenha sido o comentário, as negociações comerciais já estavam estagnadas muito antes desse episódio. A obstrução de fato é causada pela dificuldade (ou desejo) que o governo norte-americano tem de enfrentar o lobby agrícola --um dos mais poderosos do país-- e cortar os subsídios aos produtores do país. Tanta atenção a um comentário mal colocado seria uma forma de desviar o foco do que realmente é o caso em Genebra: evitar que a rodada seja declarada oficialmente morta --como disse o prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, em seu livro "Globalização: Como Dar Certo".
No sábado, Amorim disse que os líderes dos países ricos se baseiam em fórmulas diferentes de redução de alíquotas ao se referir às negociações, o que daria a entender que as concessões que poderão fazer em agricultura são muito maiores que as que os países em desenvolvimento estão dispostos a aceitar no capítulo industrial. "Essa é uma afirmação sob medida para aqueles que não querem fazer sua parte em agricultura", afirmou.
Ele disse ainda que é um "mito" a crença de que a questão agrícola já está fechada e que a OMC só está à espera de que os países do Sul demonstrem sua boa vontade em relação aos produtos industrializados para que se alcance o acordo esperado. "Ainda resta muito a fazer na agricultura", ressaltou --prevendo que um fracasso da reunião ministerial iniciada hoje pode adiar a conclusão de um acordo de livre comércio em três ou quatro anos.
O diário americano "The Wall Street Journal" disse em um artigo que a declaração de Amorim é "absurda e realmente preocupante, vinda de um diplomata moderado".
Já o jornal americano "The New York Times" diz que a rodada está viva "através de aparelhos". O diário diz que a Índia e o Brasil "se recusam a reduzir suas tarifas devido ao medo das economias movidas a exportações, como a China".
O jornal "The New Zealand Herald" disse que a declaração de Amorim é "potencialmente um incidente diplomático". "O comentário motivou uma pronta resposta dos EUA, cuja representante comercial, Susan Schwab, é filha de sobreviventes do holocausto".

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