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terça-feira, 8 de julho de 2008

O Inferno de Dantas


Muito boa e interessante a matéria publicada no Terra Magazine de Bob Fernandes e Samuel Possebon sobre Daniel Dantas e o Grupo Opportunity. Dantas está hoje no xadrez, foto acima.

O inferno de Dantas
Bob Fernandes e Samuel Possebon*


Para se tentar entender quem é Daniel Dantas, preso hoje junto com Verônica Dantas, Dório Ferman, Carlos Rodenburg, Naji Nahas, Celso Pitta e outras duas dezenas de menos ilustres, é preciso antes entender seu fortim e sua obra principal: o grupo Opportunity.
Em tempo: "Sua" obra principal, o Opportunity, mas sem que se deixe de levar em conta a suspeita do delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal: Daniel Dantas et caterva soam, por vezes, não serem os "donos", ou, os únicos donos do megaconglomerado.


O Opportunity brota de um clã familiar. A hidra tem como principais cabeças visíveis, Daniel Dantas e, degraus abaixo, sua irmã Verônica Dantas. Dório Ferman, por sua vez, é o presidente do Banco Opportunity, instituição financeira comandada por Dantas.
Daniel Dantas é um personagem que age nas sombras. Poucos são os documentos que contam com a assinatura do banqueiro e, constatou a PF na investigação, de tudo ele fez e faz para não deixar rastros mesmo na miríade de estruturas - ao menos 151 detectadas - ligadas ao enorme polvo.
Nas inúmeras empresas ligadas a seu grupo, ele raramente é o responsável legal. Busque-se pelo nome de Daniel Valente Dantas junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cartórios ou juntas comerciais, e quase nada aparecerá. E tanto anota também o delegado Queiroz.
Nas disputas empresariais que travou, Dantas assinou não mais do que três ou quatro contratos. Sempre há prepostos, anteparos cuidadosamente selecionados para escamotear o chefe de fato. No mundo financeiro (fundos, corretoras, bancos etc), Dório Ferman é o homem. No exterior, Verônica Dantas é o anteparo usual.
Trata-se de um grupo empresarial - ou de uma quadrilha, uma organização criminosa, como aposta a Polícia Federal - muito mais complexo do que parece.
Daniel Dantas, que hoje foi para a cadeia, participa da vida política e econômica do País desde o governo Collor. Mas seu papel como protagonista cresceu e se impôs no governo Fernando Henrique Cardoso, especialmente na montagem e no miolo do processo de privatizações.
Dantas é um dos personagens centrais na "mais feroz e encarniçada batalha da história do capitalismo brasileiro."
Batalha tão encarniçada que não deixará de incluir, como se verá em capítulos vindouros, também a jornalistas e publicações.
A expressão é de um dos autores desta reportagem em uma seqüência de capas publicadas pela revista Carta Capital, onde era o Redator-chefe, ainda no início deste século XXI.
E este autor, Bob Fernandes, a propósito recorda aqui que o mergulho hoje executado pelo delegado Protógenes Queiróz em direção aos intestinos do Brasil guarda correlação, muitas vezes estreita, com outras manilhas de esgotos da história verde-amarela; quis o destino que este mesmo repórter vivesse e escrevesse sobre essas veredas sanitárias. Abaixo, alguns dos exemplos:
- O caso Banestado. "O Brasil, a maior lavagem de dinheiro do mundo". Datada de 30 de maio de 1998, objeto da única - até hoje - edição extra na já longa história da revista Carta Capital. Caso este que freqüenta a investigação da PF agora em curso.
- A privatização do Sistema Telebrás e a queda de Mendonça de Barros, ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique. "Fitas Sujam o Governo", em 25/11/98. Reportagem esta que levou à queda de "Mendonção". Ali, uma das gêneses de tudo isso.
- A Queda do delegado-geral da Polícia Federal, Vicente Chellotti. "Os Porões do Brasil", em 3 de março de 1999. Também ali estão poderosos liames com a extraordinária batalha de bastidores a que terão acesso os internautas de Terra Magazine e deste Terra.
- As operações ilegais da CIA, DEA e FBI no Brasil, no mais das vezes, naqueles tempos, em vistoso pas-de-deux com aquela mesma Polícia Federal. (Uma dezena de reportagens de capa em Carta Capital, edições entre 12 de maio de 1999 e 21 de abril de 2004.) Alguns dos rapazes daquela mesma polícia estão de volta e operaram com denodo no caso agora em questão, e ao lado de Daniel et caterva.
- Uma sucessão de reportagens de capa sobre a briga societária entre Daniel Dantas e seus sócios.
Como se lerá aqui nos próximos capítulos desta saga, nos dias que virão.
O outro autor, Samuel Possebon, editor da revista TELETIME, especializada no mercado de telecomunicações, acompanha os movimentos de Daniel Dantas desde a privatização do Sistema Telebrás, em 1998. Ao longo destes anos, observou atentamente as estruturas societárias, os movimentos empresariais, as disputas judiciais, a fase áurea de Daniel Dantas, entre 1998 e 2003, o ocaso, de 2003 a 2005, e a ressurreição, este ano, com o perdão dos fundos de pensão e Citibank. E agora, a prisão.
A história de Daniel Dantas é uma história de batalhas, travadas muito além dos limites aceitáveis. Muitas acusações surgiram: espionagem, corrupção, falsificação, furto, conspiração... Muitas ainda estão por se provar em tribunais no Brasil e no exterior. Outras, já comprovadas.
As batalhas, em geral, foram contra seus adversários no mundo dos negócios, muitos dos quais aliados de outros tempos.
Para que se tenha uma idéia da dimensão dos contendores que, nuclear ou perifericamente, freqüentam este enredo e farão parte dessa história quando ela vier a ser contada em toda a sua extensão, liste-se aqui algumas das principais instituições adversárias de Dantas e seu grupo em mais de 200 disputas judiciais travadas em cortes do Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, Ilhas Cayman e além.
Citibank - no início do Século XXI e desta batalha, o maior banco do mundo, de valor estimado em US$ 1 trilhão, que bancou Daniel Dantas com cerca de US$ 1 bilhão no período da privatização. Ao longo de oito anos, Citibank e Dantas caminharam de braços dados, até o rompimento litigioso, em 2005. O Citibank foi, portanto, um sustentáculo do poder político e econômico do Opportunity. Nos últimos tempos, Citi e Dantas caminhavam para um acordo. Com a cana dura, o futuro deste pacto torna-se uma grande interrogação.
Pirelli - maior grupo empresarial italiano, dona da Telecom Italia entre outros pneus de igual tamanho. Foi, através da sua empresa Telecom Italia, sócia de Daniel Dantas na Brasil Telecom. Tornou-se sua adversária. Voltou a se tornar aliada, até que se retirou de campo. Hoje, no Brasil, a Telecom Italia é apenas acionista controladora da TIM. Mas os ventos italianos ainda sopram sobre o Opportunity, como se verá.
TIW - outrora gigante de telecomunicações do Canadá. Entrou com U$ 300 milhões de sócia de Daniel Dantas em empresas de telefonia celular (Telemig Celular entre elas) e saiu, expulsa após uma sangrenta batalha judicial contra o mesmo Dantas. No acordo final, a TIW saiu do país, em 2003, com US$ 65 milhões. Tempos depois, faliu.
Fundos de pensão - Inclua-se Previ, Funcef e Petros entre os principais. São os fundos de pensão de grandes empresas estatais, cujo poder financeiro de investimento não tem similar no mundo empresarial. Agrupamento com poder de fogo da ordem dos R$ 200 bilhões.
Os fundos de pensão casaram-se (em circunstâncias ainda a serem explicadas) com Daniel Dantas na montagem do modelo de privatização, em 1997. Abriram guerra contra Dantas em 2000, até que romperam, definitivamente, em outubro de 2003. Assim como o Citibank, caminhavam nos últimos meses para um ajuste de contas com o Opportunity.
Antes que se chegue às disputas individuais, do ponto de vista pessoal e empresarial, é preciso entender os elementos-chave relacionados ao grupo Opportunity.
O mais importante é o Opportunity Fund, um fundo de investimento baseado nas Ilhas Cayman e comandado pelos irmãos Dantas. Essa, uma questão central nas investigações que levaram às prisões desta terça-feira, 8 de julho de 2008.
Detalhes sobre a história e meandros do fundo serão contadas em um capítulo à parte. Aqui, fiquemos com o absolutamente essencial, que se segue.
O Opportunity Fund, estabelecido no paraíso fiscal das Ilhas Cayman, foi quem abriu as portas dos Dantas para o mega-poder. É lá que, suspeitava a polícia desde o início dos trabalhos, estariam economias de grandes personalidades do mundo político e empresarial.
O fato é que o Opportunity Fund é um dos poucos locais em que o nome Daniel Dantas aparece. Aqui, Dantas é oficialmente relacionado como um dos responsáveis, sem anteparos e sem subterfúgios.
Um fundo de investimento, como esse, é formado por cotistas. São investidores que dão seu dinheiro ao administrador do fundo (no caso Daniel Dantas e sua irmã) e esperam os resultados prometidos.
Um fundo em Cayman, tendo Dantas como seu responsável direto. Em Cayman pode estar muito do que se tenta esconder por aqui. O que e quem está dentro do Opportunity Fund é, era, um dos segredos nesse jogo de caça ao rato. Aos ratos.
O que é fato é que Dantas e sua turma fizeram de tudo para manter esse segredo dentro de um cofre inviolável, ou melhor, de um disco rígido inacessível. Disco esse devassado e decifrado pelos peritos da Polícia Federal - apesar de tudo o que se fez para que ele sumisse, desaparecesse, fosse desmagnetizado, como veremos adiante.
Em vão, tais desejos, é o que demonstram as prisões de Daniel Dantas, de sua irmã Verônica, do presidente do Banco Opportunity Dório Ferman, do ex-cunhado e operador Carlos Rodenburg, todos na ilustre companhia de Naji Nahas e família and Celso "Jabuticaba" Pitta, entre outros.
Como dito, o Opportunity Fund está estabelecido em um paraíso fiscal (Cayman), e busca uma perna do grupo escapar para outro paraíso, descobriram o delegado Queiroz e equipe;
A noção de paraíso remete a algo bom. E as razões para isso, não necessariamente nessa ordem, são: não pagar impostos, esconder de onde vêm os querubins e quem são eles.
Assim, protegidos pelo paraíso, os cotistas seguem anônimos e lucram mais. A ação conjunta de técnicos do Banco Central e da Receita Federal na investigação comandada pelo delegado Protógenes Queiroz flagra paraísos e anjos. Mais de 200 deles. (Haja céu!!!).
O Opportunity Fund participou das complexas cadeias societárias de quase todas as empresas que Dantas & Cia criaram no processo de privatização em meados da década de 90. De empresas de telecomunicações a infra-estrutura portuária, passando por saneamento e transporte.
Em quase todos os setores e cadeias societárias, no final da linha, aparecia o Opportunity Fund. E se é verdade que as privatizações foram um sucesso, muito desse sucesso foi revertido em lucros aos cotistas do Opportunity Fund lá por meados da década de 90.
Em tempo e antes de prosseguir: à época o Anexo IV da Resolução 1.289 do Conselho Monetário Nacional, editada em de 20 de março de 1987, permitia a estrangeiros, nunca a residentes no Brasil, a aplicação em fundos como o Opportunity Fund, localizados no exterior, sem pagamento de impostos. No caso, nas Ilhas Cayman.
Assim, endinheirados que não podiam ou não queriam deixar suas economias no Brasil, mas não queriam perder a chance de investir por aqui, usaram o Opportunity Fund como caminho.
Tornaram-se assim, indiretamente, acionistas das empresas vendidas pelo governo. Não foi o único caso, mas foi o mais exemplar. Em resumo, quem, por exemplo, queria ocultar a origem ou destino de recursos, e não pagar impostos, pulou em barcas como essa.
O Opportunity Fund sempre foi a menina dos olhos de Dantas. De sua sala na sede do grupo, localizado no Rio de Janeiro, no topo do Edifício Palácio Austregésilo de Athayde, localizado Avenida Presidente Wilson, 231, ao lado da Academia Brasileira de Letras, Dantas ocupou-se de administrar e proteger o fundo e seus cotistas. Com todas as forças e armas.
Sede do Grupo Opportunity no Rio de Janeiro
A qualidade (e legalidade) das armas de administração de Dantas é algo ainda a ser testado. Mas um pouco da história se conta pelas lendas.
Conta-se que na sede, à passagem de Dantas pelos corredores, os funcionários cuidadosamente cantarolavam ou assoviavam a música tema de Darth Vader, personagem central de Guerra nas Estrelas.
Um desses funcionários, na verdade um sócio cotista, pode bem ter sido um jovem tão obstinado quanto Daniel Dantas. Esse jovem, então com 37 anos, tinha uma cota de associado, desempenhava papel central como executivo dos fundos que participaram das privatizações e era vendido aos potenciais investidores por Dantas como um dos grandes "assets" (patrimônios) intelectuais do Opportunity, até com ele romper.
Após o rompimento Dantas não quis honrar o compromisso de sócio. Para que se tenha uma idéia do tamanho do erro, o que Dantas deveria ter pago era algo como US$ 500 mil. Não quis pagar, não pagou senão muito tempo depois na Justiça, sem saber que ali cometia o que foi, talvez, o maior erro de sua vida.
O sócio iria infernizá-lo dali por diante, se tornaria o móvel, cérebro e portador de informações nas inúmeras frentes de batalha que se abririam contra Dantas desde 2000, encabeçadas pelos sócios listados acima. O nome deste ex-sócio é Luis Roberto Demarco. Se Darth Vader teve um antagonista, Demarco foi o mais duro deles.
É de se imaginar que atrás das grades Dantas deva estar reservando alguns instantes de seus pensamentos para este ex-sócio e para o erro que cometeu. Deve meditar, por exemplo, sobre uma frase que marca o início quase insignificante de uma batalha que se tornaria gigantesca e fatal. Deve pensar e repensar na frase - ouvida por uma preciosa testemunha - que disse à irmã Verônica Dantas quando decidiu não pagar ao ex-sócio:
- Vou mostrar como se esmaga um babaca...
À parte os humanos, suas forças, virtudes e fraquezas, e de volta aos negócios, era esse, Opportunity Fund, o fundo que Dantas usava para compor as parcerias feitas com outras empresas e com outros fundos de investimento.
O Opportunity Fund era a "marca de Dantas" deixada em todas as empresas geridas e/ou administradas pelo Opportunity, empresas estas onde a maior parte do dinheiro colocado pertencia terceiros, como os já citados fundos de pensão, Citibank, Telecom Italia, TIW entre outros. Parceiros que foram, sistematicamente, rompendo com Dantas, ano após ano, disputa após disputa.

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