Com um surpreendente voto de Minerva opositor, o vice-presidente argentino, Julio Cobos, impôs ontem a primeira grande derrota aos Kirchner: a presidente Cristina e seu marido e antecessor, Néstor, viram cair no Senado o projeto de lei que aumentou os impostos sobre as exportações de grãos. "A história me julgará", disse Cobos ao desempatar a votação contra o governo.A alta das alíquotas detonou uma crise com o setor rural que se arrasta há quatro meses, abalou a popularidade de Cristina e erodiu sua base de apoio.Diante do empate na votação do projeto entre os senadores, com 36 votos a favor e 36 contra, a decisão final coube ao vice, que, na Argentina, também preside o Senado. Cobos resistiu até o último momento a dar sua posição. Após o resultado, pediu um intervalo no debate, que foi negado. Convocou então outra votação em que o empate se repetiu. E, depois de 18 horas de sessão, às 4h25, ante uma "responsabilidade histórica", votou contra o governo."Há quem diga que tenho que acompanhar [Cristina] pela institucionalidade, pelo risco que implica, mas meu coração diz outra coisa. E não acredito que isso seja motivo para pôr em risco a governabilidade e a paz social", declarou Cobos.Em um evento, à noite, a presidente faria referências indiretas ao vice. "Alguns não entenderam o que prometemos em outubro [quando foi eleita]. Os pobres não são apenas discurso eleitoral." Disse ainda que ela e o povo podiam "nos olhar nos olhos e saber que nunca nos traímos".Foi a terceira vez que um presidente do Senado desempatou a votação de um projeto. Mas foi a primeira que a decisão foi contra o governo.A resolução derrubada foi anunciada pelo governo em março e provocou quatro locautes agropecuários, com bloqueios de estradas e desabastecimento. O governo, que antes da crise tinha uma maioria segura nas duas Casas do Congresso, conseguiu a aprovação na Câmara por apenas sete votos. No Senado, a maioria derreteu. Legisladores, prefeitos e governadores que antes apoiavam o governo, preferiram se manter ao lado dos eleitores.Herói ou traidor?Enquanto oposição e ruralistas tratavam o vice-presidente como um herói, movimentos kirchneristas como o La Cámpora, em que milita o filho do casal presidencial, pediam a renúncia de Cobos.O vice, no entanto, afirmou que não pensa em deixar o cargo. "Nem me passou pela cabeça renunciar, pois isso seria trair a vontade popular", disse Cobos, que costuma afirmar que foi eleito como Cristina.Antes um vice-presidente sem expressão, em meio à crise ele assumiu uma posição "independente" ao convocar prefeitos e governadores para discutir o aumento de impostos e propor que o projeto fosse discutido no Congresso.A decisão do Senado não acaba com o imposto nem com a crise, já que a resolução só pode ser derrubada pela presidente. Pela Constituição, o projeto também não pode voltar ao Congresso neste ano. Líderes agropecuários e da oposição esperavam ontem que o governo respeitasse a votação, como sugerira antes Néstor Kirchner.
Da Folha de hoje.
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