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segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Mundo Chega a Consenso de Mais Regulação no Mercado

O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet


Jean-Claude Trichet, 65, é presidente do Banco Central Europeu e deu a seguinte (e interessante entrevista) divulgada na Folha de hoje.



FOLHA - Um dos mandamentos da política monetária diz que os bancos centrais devem se ocupar unicamente da inflação. Mas o senhor indicou, recentemente, estar mais preocupado com a desaceleração da atividade na Europa do que com os preços. Em tempos de uma crise severa, como agora, aquele dogma deixa de ser observado?

JEAN-CLAUDE TRICHET - Eu não disse isso. Não estamos mudando a maneira como encaramos a nossa estratégia de política monetária. Consideramos que o nosso mandato principal tem sido -é hoje e será amanhã- cuidar da estabilidade dos preços no médio prazo. Esse é o mandato que nos pediram para cumprir segundo o Tratado de Maastricht. Nessa perspectiva, decidimos cortar a taxa de juros em 100 pontos-base em menos de um mês porque observamos uma significativa diminuição das pressões inflacionárias. Também levamos em consideração que retomamos o controle das expectativas de inflação para o médio prazo. Confio profundamente que, tendo credibilidade em cuidar da estabilidade de preços, estamos contribuindo para o crescimento sustentável, para a criação de empregos, e apoiando a estabilidade financeira. Nossos cidadãos têm que ser reassegurados de que o seu poder de compra será preservado. É muito importante que todos os agentes tomem as decisões apropriadas porque podem confiar na credibilidade do cuidado sobre a estabilidade de preços. Uma sólida ancoragem de expectativas a respeito da inflação também permite que tenhamos taxas de juros de mercado de médio e longo prazos mais favoráveis para o crescimento e menos volatilidade, o que é essencial em turbulências financeiras.

FOLHA - Por que o mercado financeiro continua nervoso apesar de todas as medidas tomadas?

TRICHET - Fomos um dos primeiros bancos centrais no mundo a reagir imediatamente, em 9 de agosto de 2007, quando tivemos as primeiras tensões nos mercados de crédito. Decidimos prover liquidez para colocar o mercado em uma situação na qual funcionasse o mais normal possível dentro das circunstâncias. Aplicamos o princípio da separação entre a nossa política monetária, que é desenhada para cuidar da estabilidade de preços no médio prazo, e a implementação dessa política -no que diz respeito às taxas de juros decididas com esse objetivo-, a qual é administrada com uma visão de amenizar as tensões no mercado de crédito. Apesar de os bancos centrais terem sido bastante pró-ativos colocando uma linha de defesa contra a ameaça à liquidez sistêmica e os governos terem colocado uma segunda linha contra o que eu chamaria de ameaça à solvência do sistema, neste momento em que estou conversando com vocês ainda há um nível de tensões que não leva totalmente em consideração todas as decisões tomadas.
FOLHA - Isso significa que os mercados não confiam nos governos?

TRICHET - Não. Acho que é uma questão de tempo. Pedi aos bancos comerciais que acelerem o processo de levar totalmente em consideração as decisões que já foram tomadas.
FOLHA - Até que ponto os países emergentes como China e Brasil podem ajudar a evitar uma crise global ainda pior?

TRICHET - Precisamos reconhecer que, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, estamos vendo uma resiliência muito impressionante das economias emergentes, enquanto as economias industriais foram bastante afetadas. Isso era verdade desde o início das turbulências, em agosto do ano passado. A partir do meio de setembro de 2008, ficou bastante claro que mesmo o mundo emergente está sentindo o que aconteceu nas nações industrializadas. Eu nunca falei de descolamento. É claro que estamos em um mundo no qual somos todos interdependentes e, assim, atingidos pelos fenômenos que acontecem aqui ou ali. Para que a economia mundial saia desse período difícil que temos à nossa frente, temos que contar muito muito com Brasil, com México, com China, com Índia e com as principais economias emergentes. O potencial para o crescimento global está aí. O que não significa que o mundo industrializado não tenha que se colocar em ordem e contribuir também para um crescimento firme e sustentável.
FOLHA - A Europa também precisa de um pacote para estimular o crescimento, como o Brasil possui o seu PAC?

TRICHET - Os países da zona do euro estão em situações muito diferentes. Alguns felizmente têm políticas fiscais exemplares e eu diria que possuem margem para manobra. Mas esse não é o caso de todos. Infelizmente, há países que não têm margem de manobra. Nesses casos em particular, uma atitude fiscal pró-ativa, ao invés de causar um impacto positivo na economia, pode prejudicar a confiança, com todos os agentes econômicos esperando que o governo resolva esses desequilíbrios aumentando impostos depois. Para todos, temos um sistema que é o Pacto de Estabilidade e Crescimento.
FOLHA - Qual a sua opinião sobre a idéia de um governo econômico europeu, como proposto pela França?

TRICHET - Há algumas sugestões de que a zona do euro precisa de um governo econômico. E devo dizer que um grande número de vozes aceitaria uma "governança econômica", porém não a expressão "governo econômico", porque temem que isso significaria uma exortação de pressões sobre o banco central independente. Como presidente do BCE, sempre digo que o banco central é totalmente independente. Nossa credibilidade se apóia totalmente na independência, garantida pelas democracias européias. Os governos e a Comissão Européia têm a sua governança a aplicar. Em particular, o Pacto de Estabilidade e Crescimento, na área de política fiscal, é um elemento chave. Também é preciso certamente aprimorar a implementação da agenda de Lisboa, as reformas estruturais. O pacto, essas reformas e a fiscalização rígida sobre a evolução do custo do trabalho em cada economia são os três pilares que estão claramente sob a responsabilidade dos governos. Iniciativas para apoiar a efetiva implementação desses elementos são positivas.
FOLHA - O senhor sentiu, nos últimos meses, ou talvez especialmente nos últimos 60 dias, algum tipo de pressão por parte dos governos para um maior foco no crescimento e não na inflação, por causa da perspectiva de recessão?

TRICHET - Todos os governos entendem muito bem que devem respeitar as regras do tratado e sabem que nossa credibilidade é essencial para que consigamos cuidar da estabilidade de preços e conseqüentemente permitir o crescimento sustentável e a criação de empregos.
FOLHA - O senhor é a favor de reformar o FMI (Fundo Monetário Internacional), que é uma instituição dominada pelos países ricos? O Brasil defende que os países emergentes tenham mais voz do que hoje em dia. Como a instituição poderia ser transformada?

TRICHET - Creio que há um consenso que considera normal que as economias emergentes -levando em consideração a sua crescente influência, o tamanho do seu PIB [Produto Interno Bruto] e a rapidez do seu crescimento- deveriam se tornar mais influentes no FMI e no nível de instituições econômicas globais em geral. Acho que ninguém esta discutindo o fato de que o G20 está ganhando mais e mais influência. A próxima questão é como acelerar o processo para que as entidades sejam inclusivas.
FOLHA - O senhor acha que é realmente possível controlar todos os instrumentos financeiros complexos, os hedge funds e agências de classificação de risco? TRICHET - Precisamos deixar bem claro que nas economias de mercado há riscos, senão não seriam economias de mercado. Se há riscos, de tempos em tempos acontece a materialização dos riscos. Precisamos aprimorar muito significativamente o atual funcionamento do sistema econômico global e a economia global. Temos um grande consenso sobre mais transparência nos instrumentos financeiros, nos mercados e nas instituições. Precisamos de regras apropriadas, padrões e códigos. Isso é válido para todas as instituições, incluindo as altamente alavancadas. E, finalmente mas não por último, temos que introduzir mais disciplina nas políticas macroeconômicas no que diz respeito às políticas fiscais mas também à devida disciplina para prevenir desequilíbrios excessivos internos e externos.

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