O Brasil e os Estados Unidos
Roberto Mangabeira Unger
O BRASIL é o país no mundo mais parecido com os EUA, embora não se reconheça esse fato em nenhum dos dois países. São de tamanho quase idêntico, fundados na mesma base, de povoamento europeu e de escravidão africana. Cada um é o mais desigual de seu tipo: os EUA, dos países ricos; o Brasil, dos países grandes em desenvolvimento. Paradoxalmente, nesses dois países muito desiguais, a maior parte das pessoas comuns continua a acreditar que tudo é possível. Essa orientação esperançosa, peregrina e aventureira representa o vínculo mais importante entre as duas nações, feitas, cada uma, de muitas nações.No bojo da crise financeira internacional, há tudo para que se acelere tanto no Brasil como nos EUA o que já se prenunciava antes da crise: a busca de um conjunto de experimentos na maneira de organizar nossas sociedades que amplie, em proveito dos homens e das mulheres comuns, as oportunidades econômicas e educativas. E que dê braços, asas e olhos à energia humana, frustrada e dispersa, que fervilha em nossos países.Em vez de pedir ajuda, dada de cima para baixo, proponhamos construir junto com os EUA iniciativas exemplares, que têm tudo para contar com a simpatia e com a participação de muitos países latino-americanos. Entre as áreas mais propícias, três merecem atenção especial.1. Desenvolver as alternativas de energia renovável. Em vez de ficarmos vidrados nos interesses imediatos que nos dividem, é melhor construir as possibilidades futuras que nos podem unir. Trabalhar juntos para transformar os agrocombustíveis nas commodities que ainda não são. E para obter os avanços científicos e técnicos que permitirão mobilizar o potencial energético da biomassa -até que se possa mobilizar melhor a energia solar diretamente.2. Soerguer milhões de empreendimentos emergentes e pôr as finanças a serviço da produção. Os EUA têm longa tradição de reordenar o sistema financeiro para estreitar seu vínculo com os produtores. Ainda na primeira metade do século 19, dissolveram os bancos nacionais e colocaram em seu lugar o regime mais descentralizado de crédito que havia existido no mundo até aquele momento.A crise financeira de agora impõe-nos tarefa mais importante do que a de regular os mercados financeiros: a de aproveitar melhor o potencial produtivo do dinheiro reunido nos bancos e nas Bolsas -a poupança da sociedade. O cumprimento dessa tarefa começa no esforço de dar às pequenas e médias empresas condições para ganhar acesso ao capital e para qualificar-se em tecnologias, conhecimentos e práticas. É a maneira mais direta de fabricar dínamo de crescimento includente.3. Tomar as medidas necessárias para garantir, em todo o ensino público, um padrão mínimo e universal. O avanço de nossas sociedades passa pela efetivação de um princípio singelo: cuidar para que a qualidade da educação que uma criança recebe não dependa do acaso do lugar onde ela haja nascido. Duas iniciativas, a se desdobrarem simultaneamente nos EUA, no Brasil e em todo o nosso hemisfério, podem abrir o caminho.A primeira é consertar o elo fraco da educação pública, lá e cá: a escola média. Desenhar escola média que reúna e que renove o ensino geral e o ensino técnico, com fronteira aberta entre os dois. Ensino geral focado em análise verbal e numérica, não em informação enciclopédica. Ensino técnico dedicado a capacitações práticas genéricas e flexíveis, não ao domínio de ofícios rígidos. Junto viria nova maneira de ensinar ciência natural.A segunda iniciativa é providenciar os instrumentos para reconciliar, em nossos países grandes, desiguais e federativos, a gestão local das escolas pelos Estados e municípios com padrões nacionais de investimento e de qualidade. Não bastam avaliar nacionalmente as escolas e redistribuir recursos de lugares mais ricos para lugares mais pobres. É preciso também ter como recuperar redes de escolas locais que tenham caído repetidamente abaixo do patamar mínimo aceitável de qualidade.Parte da solução é associar os três níveis da Federação em órgãos conjuntos, vocacionados para apoiar, socorrer e reparar as escolas insuficientes. É o rumo de um federalismo cooperativo e experimentalista. Serve para isso e para muito mais.O que unifica e orienta todas essas propostas é a disposição de reorganizar a economia de mercado em proveito da maioria trabalhadora. De reconstruí-la, não apenas de regulá-la. De reconstruí-la, não apenas de contrabalançar suas desigualdades por meio de transferências sociais. Tanto os EUA, a partir da eleição de hoje, como o Brasil, há muito tempo, querem, na medida em que compreendem. É a hora das idéias -luz antes de calor- para que o Novo Mundo seja novo outra vez.
ROBERTO MANGABEIRA UNGER , 61, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade Harvard (licenciado), é ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos e ex-colunista da Folha. Na Folha de hoje.
Um comentário:
Desculpa, Maia, mas não li o texto e não gostei. Mangabeira Unger é um imbecil completo e total. Se o texto for bom, não é o que ele pensa ou não foi escrito por ele...
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