Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Vitória da Conciliação


Obama é um conciliador

Alexander Keyssar

Ainda que nós a estivéssemos esperando, a imensa onda que varreu nossas costas políticas na terça-feira deixou atônita a maioria dos analistas políticos, entre os quais me incluo.O poder emocional da vitória de Barack Obama é tão forte que dificulta prognósticos lúcidos. Mas não existe dúvida de que a vitória decisiva de Obama, somada aos grandes ganhos democratas no Congresso, transformou nosso cenário político e nossas decisões quanto a políticas -em um momento crucial, no país e internacionalmente.Decerto o que houve de mais significativo na eleição é o fato de que os EUA tenham eleito um presidente negro menos de 50 anos depois que as últimas barreiras raciais foram removidas.Exatamente o que isso propiciará em termos de bem-estar para os negros mais pobres é difícil de determinar (e existem muitos motivos para que não sejamos otimistas demais quanto a esse aspecto), mas a eleição de Obama representa e reforça uma virada cultural, uma atenuação das fronteiras, uma celebração da diversidade que reverberará por boa parte da sociedade americana.A vitória de Obama se deve em parte ao enorme comparecimento do eleitorado negros às urnas (um fator que sempre teve o potencial de transformar as eleições em Estados cruciais do Sul, como Carolina do Norte e Virgínia), e a ele ter conquistado cerca de dois terços dos votos dos hispânicos, um segmento do eleitorado que vem crescendo rapidamente.


No entanto, a maior parte dos votos de Obama (61%) veio dos brancos (se bem que o eleitorado branco tenha preferido McCain por uma ligeira maioria). O mapa político regional e étnico dos EUA mudou, talvez para sempre, de formas que resultarão em pressões duradouras por uma maior igualdade social.


Bush e renda


Igualmente importante, nesta eleição, foi o repúdio ao presidente Bush e ao seu partido. O resultado representa uma rejeição a políticas tributárias que resultaram em redistribuição de renda da classe trabalhadora para os ricos. Representa uma rejeição da aderência feroz ao livre mercado que resultou em falta de regulamentação sobre nossos mercados financeiros (e outros) e os deixou vulneráveis ao desastre.É uma rejeição ao unilateralismo e à dependência excessiva dos meios militares como ferramentas de política externa. É uma rejeição aos esforços do governo Bush para erodir as fortes proteções às liberdades civis que há muito tempo são uma das virtudes das instituições americanas. É uma rejeição à insistente alegação republicana de que o governo mesmo é a fonte da maioria dos problemas do país. Estado mais ativo No cenário doméstico, a eleição de Obama significará um Estado mais ativo, promovendo políticas sociais mais progressistas, tanto em grande quanto em pequena escala.O presidente eleito assumiu o compromisso, por exemplo, de apoiar uma nova lei federal que facilitaria a sindicalização dos trabalhadores. Ele pressionará por legislação que garanta cobertura de saúde aos 50 milhões de americanos que no momento não dispõem dela.Ao longo dos quatro próximos anos, Obama também terá a oportunidade de indicar pelo menos dois novos juízes para a Corte Suprema, e com isso conter o avanço conservador nessa instituição. Internacionalmente, Obama e seus assessores estão cientes de que a eleição oferece uma oportunidade de restaurar a posição dos EUA aos olhos dos líderes e dos povos de todo o mundo; ele certamente aproveitará essa oportunidade, tanto em termos simbólicos quanto ao promover mudanças nas políticas do país quanto a direitos humanos, comércio internacional e ambiente.É quase certo que ele também deva consultar líderes estrangeiros com muito mais freqüência e de maneira muito mais autêntica do que vem sendo a norma recentemente.


Centro-esquerda


Apesar de tudo isso, não devemos exagerar as implicações políticas. Ainda que os republicanos o tenham acusado de socialismo, ele não é socialista, e tampouco é um social-democrata ao modo que europeus ou brasileiros compreenderiam esse termo.Obama é um homem de centro-esquerda, não de esquerda; parece cauteloso, por temperamento, e um promotor da conciliação por hábito e treinamento. O novo presidente, além, disso, terá de enfrentar inúmeros obstáculos ao assumir, dado o Estado do país e do mundo.A economia americana está afundando em uma séria recessão que ele não está bem equipado para combater, e isso restringirá seriamente o desenvolvimento de novos programas domésticos. Tropas americanas continuam estacionadas no Iraque e no Afeganistão, envolvidas em guerras que Obama não pode terminar simplesmente declarando que desejaria fazê-lo. A ameaça de novo ataque terrorista aos Estados Unidos tampouco desaparecerá porque o presidente Bush deixou o posto.De fato, resta muito de imprevisível agora que esse líder imensamente talentoso e ponderado se prepara para assumir o posto e enfrentar crises e dilemas que não foi ele que causou.Devemos ter em mente que o presidente Franklin Roosevelt, pai do New Deal e ícone presidencial do liberalismo norte-americano, não era um "liberal [progressista] do New Deal" quando assumiu o cargo. Era um político centrista, defensor de orçamentos equilibrados e muitas vezes considerado cauteloso em excesso.Mas as condições históricas o levaram a adotar políticas audazes e criativas que se provaram duráveis e exerceram impacto positivo por muitas décadas. A promessa de Obama, em última análise, é a de que ele talvez possa fazer o mesmo em nossa era.



ALEXANDER KEYSSAR é titular da cátedra Stirling de História e Política Social na Escola Kennedy de Governo, em Harvard.


Na Folha de hoje.


2 comentários:

Anônimo disse...

"O resultado representa uma rejeição a políticas tributárias que resultaram em redistribuição de renda da classe trabalhadora para os ricos. Representa uma rejeição da aderência feroz ao livre mercado que resultou em falta de regulamentação sobre nossos mercados financeiros (e outros) e os deixou vulneráveis ao desastre."

É esse tipo de coisa que me afasta da esquerda. Impostos baixos, para um esquerdista, significa em termos práticos que ricos roubaram de pobres ao não contribuir com seus ganhos com políticas paternalistas. É uma farsa. Além de colocar a responsabilidade da crise no livre mercado, quando na verdade as distorções causadas foram causadas justamente por uma intervenção irresponsável sobre o mercado (a crise imobiliária foi ocasionada principalmente por motivação política de Bush, através do Fed).

“É uma rejeição à insistente alegação republicana de que o governo mesmo é a fonte da maioria dos problemas do país.”

Sim, todos sabemos que Estado é um grande paizão responsável por resolver os nossos problemas.

“(...) a eleição de Obama significará um Estado mais ativo, promovendo políticas sociais mais progressistas, tanto em grande quanto em pequena escala.”

Holy shit! Então Obama que venha ao Brasil conversar e ter algumas aulas com nosso grande presidente Lula da Silva sobre como fazer “políticas sociais”. Quem sabe o Bolsa Família não faz escola nos Estados Unidos?

“O presidente eleito assumiu o compromisso, por exemplo, de apoiar uma nova lei federal que facilitaria a sindicalização dos trabalhadores.”

O que?! Mais sindicatos nos EUA??

Anônimo disse...

“Ainda que os republicanos o tenham acusado de socialismo, ele não é socialista, e tampouco é um social-democrata ao modo que europeus ou brasileiros compreenderiam esse termo.Obama é um homem de centro-esquerda, não de esquerda”

Lula não é socialista. Ponto. Ele é um social democrata, que tende ao populismo. Agora se querem chamar isto de esquerda ou centro-esquerda, não interessa. Obama parece seguir esta tendência, sim. Seus discursos apelam aos pobres, negros, excluídos. Suas políticas visam uma redistribuição de renda, se preocupa com “o social” (o que significa, na prática, que ele pretende promover assistencialismo), vê o Estado como um barco de resgate. O grande diferencial do Obama na minha opinião é a formação superior, a oratória, a postura, a sutileza.