Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


sábado, 17 de outubro de 2009

Bastardos Inglórios




Tarantino continua despojado e cru. Dizem que ele destroi, que é pós moderno. Que mostra a vida que é. Mas ele exagera no que é. Dizem que Tarantino é canalha, é bastardo, é um bastardo inglório. Não existe ilusão, não existe esperança, nossa vida simplesmente má. Nós malvados e viventes somos revanchistas, adoramos vinganças, amargamos ressentimentos e tudo é cruel. Mas a crueldade, of course, tem de der boas gotas de diálogos cômicos e inteligentes.

Como disse o Zé Pedro Goulart -- se referindo a Pulp Fiction -- : Comunico-lhe que a ética está por um fio, que Deus não existe, que a IBM existe, que a violência ultrapassa a razão.”

O bolo, o deboche e os sentimentos nobres
Artigo de Zé Pedro Goulart publicado na ZH de hoje.

Cães de Aluguel e principalmente Pulp Fiction aparentemente esgotaram o estoque de maldades de Tarantino. Quinze anos depois e nada de novo, Jackie Brown, Kill Bill 1 e 2 – embora divertidos – e agora Bastardos Inglórios apenas repetiram a receita inovadora do bolo cinematográfico criado pelo diretor.Alguns ingredientes desse bolo:1) Montagem inovadora;2) Trilhas meticulosamente pesquisadas;3) Violência estilizada;4) Referências de filmes.E como cobertura, uma grossa camada de deboche. Tarantino sempre tratou o épico no cinema com desdém. Tirou as fórmulas consagradas do pedestal, experimentou novas elipses narrativas, e fez do sangue jorrando uma espécie de pacto orgástico com o espectador. Nesse bolo Pulp Fiction é a cereja. Abordagem semelhante, aliás, a do cinema dos irmãos Cohen. Embora os Coen estejam em um patamar superior no quesito evolução.Bastardos Inglórios começa como se fosse um faroeste – os bandidos chegam, as crianças/adolescentes/assustadas se recolhem, e o pai fica só. Em seguida um longo e intrigante dialogo irá detonar a trama. Opa, penso: o filme promete. Mas logo me decepciono, a promessa é apenas parcialmente cumprida. Escravo do deboche, Tarantino parece compelido a um cinema de segunda categoria. Criador de um cinema que derrubou conceitos, o diretor virou refém do novo conceito que ajudou a estabelecer.Isso aparece na caracterização dos Bastardos, uma brigada antinazista que reúne um grupo de judeus que escapou dos alemães. Entre escalpos nojentos, planos mirabolantes, tarefas improváveis, eles fazem com que um tom farsesco, tome conta da tela e o filme escorregue para a paródia/trash. E a paródia quando em excesso é um ingrediente que pode abatumar o bolo.Mas há méritos eloquentes. Os longos diálogos de interrogatório por exemplo; além do já citado do início, o da taberna é impagável. E, sobretudo, o tema mais explorado por Tarantino em todos os filmes que fez: a vingança. Histórias de vingança produzem uma catarse inigualável. Os personagens lavam a alma do espectador. Ao escolher o nazismo como tema, Tarantino pôde servir um prato cheio disso: pau no Hitler e sua cambada nunca é demais.A novidade é que os vingadores são os próprios judeus que ainda por cima – ironia do diretor – incineram os nazistas. Mas ao invés de fornos, ou câmaras de gás, os vilões enfrentam o fogaréu dentro de uma sala de cinema. O celuloide é matéria-prima desse fogo – no cinema tudo é possível.Quentin Tarantino não acredita – e se acredita não propaga em seus filmes – em sentimentos nobres. Uma cena exemplar em Bastardos Inglórios é aquela em que a mocinha judia, depois de atirar no alemão, se apieda dele. Ela se aproxima lentamente, mas o sujeito – de surpresa e mesmo ferido à beira da morte – descarrega o revólver nela.Bom, é isso. Especulo se as críticas que fiz não foram para agradar o Luís Augusto Fischer aí ao lado, um velho inimigo das ideias do diretor americano. Mas se no mundo de Tarantino não há vaga para o amor – ou piedade – no meu há. De maneira que dou um abraço no Fischer. Só espero que ele não traga escondido um revólver por baixo do casaco.






Zé Pedro Goulart

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