Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Os "Monstros" de Porto Alegre


"Casa Monstro" de Henrique Oliveira.


Cuias de Saint Clair Cemin




Escultura Olhos Atentos de José Resende.




Escultura de Carlos Tenius no Parcão em Porto Alegre.
Na provinciana Porto Alegre qualquer debate chama a atenção. A moda agora é discutir as "monstruosidades" de alguns monumentos que a cidade oferece. Quatro dessas "monstruosidades" estão acima. Será que esses trabalhos são mesmo "monstruosos"? Quem tocou fogo na fogueira da estética guasca foi o historiador Voltaire Schiling que escreveu o seguinte artigo na ZH de domingo.


A capital das monstruosidades

Desde que Marcel Duchamp, um ex-artista cubista, francês de nascimento que escolheu os Estados Unidos como residência, mandou um urinol para ser exposto numa galeria de Nova York e, quase em seguida, em 1915, montou uma roda de bicicleta equilibrada sobre um pequeno banco e a fez passar por obra de arte, abriu-se a Caixa de Pandora dos horrores estéticos que a partir de então invadiram o cenário das exposições de arte.Para acentuar ainda mais o seu deboche para com o que até então se entendia como arte, Duchamp, um pândego, um moleque crescido, pintou um belo bigode numa imagem da Mona Lisa de Leonardo da Vinci, ícone da pintura ocidental. Como ele não foi confinado num manicômio nem encarcerado por ofensas ao patrimônio estético (interessante observar que nunca o Direito Penal preocupou-se em classificar como crime hediondo quem de propósito fabricasse a feiura!), parte da vanguarda artística ocidental tomou-o como um profeta dos novos tempos. Estabeleceu-se então um deus nos acuda.Todavia, o que particularmente nos chama a atenção como cidadãos desta nossa capital, que mais uma vez se vê intimidada pelo flagelo de uma nova “instalação”, é a notável concentração de “esculturas” e “monumentos” absolutamente espantosos. Um pior do que o outro.Nosso calvário começa por aquela mandada erguer pelos burgueses do bairro Moinhos de Vento para celebrar sua vitória em 1964 que se encontra no Parcão (homenagem ao marechal Castello Branco, mas que também pode referir-se ao desembarque de um extraterrestre), chegando ao hediondo “timão” situado na rótula que antecede o museu Iberê Camargo.Aliás, o primeiro “timão”, que parecia ter esterco como matéria original da sua composição, foi destruído pelos vileiros do Morro Santa Tereza, certamente indignados em terem-no nas vizinhanças (sofriam de uma injusta punição, além da pobreza tinham que encarar diariamente o exemplo da medonhice).Este colar sem fim de mau gosto que nos assola ainda é composto pelo “cuiódromo”, encravado na rótula da Praça da Harmonia (obra que por igual pode ser entendida como a exaltação de um superúbere de uma vaca premiada), e por um tarugo de ferro enferrujado que adentra o Rio Guaíba nas proximidades da Usina do Gasômetro e que se intitula, pasmem, Olhos Atentos.Nem os que foram perseguidos pelo regime militar escaparam destas maldades estéticas. O “monumento” que os lembra, erigido no Parque Marinha do Brasil, nos faz supor que eles continuarão atormentados ainda por muito tempo mais.A gota d’água derradeira destas perversidades que acometem contra nós, pobres porto-alegrenses, foi a inauguração recente da Casa Monstro, situada na Rua dos Andradas. Pelo menos o autor, um jovem paulista, enfim alguém sincero no ramo, não a escondeu atrás de um título esotérico ou poético: é monstruosa, sim!Trata-se da reprodução de um tumor que, inchado, é expelido pelas aberturas da construção e vem se mostrar aos olhos dos passantes, tal como se fora um abdômen de um canceroso recém aberto pelo bisturi de um cirurgião. Como se vê, uma maravilha!Minha interrogação, depois de passar rapidamente os olhos sobre este vale de horrores que nos circunda, é por que Porto Alegre, cidade aprazível, moderna, povoada por gente simpática, habitada pelas mulheres mais belas do país e que abrigou artistas como Vasco Prado, Xico Stockinger e Danúbio Gonçalves, termina por excitar o pior lado de muitos que por aqui vêm expor?Dizem-me que eles deixam estas abominações como doação (por não encontrarem compradores e não quererem arcar com o translado) e a infeliz prefeitura, constrangida, não tem como lhes dizer não.Faço desde já um apelo ao secretário municipal da Cultura, Sergius Gonzaga, se este ano tal ameaça se repetir, mobilize-se. Levante recursos, promova uma ação entre os amigos da cidade para despachar tais coisas para qualquer outro lugar. Senão, peça socorro à ONU. Porto Alegre, aliviada, lhe será eternamente agradecida.

Eduardo Veras, crítico de Zero Hora, replicou com o seguinte artigo publicado hoje no jornal:

Entulhos nossos de cada dia

É sempre bem-vindo o debate sobre a relação entre arte e cidade, e é bom que ele não seja feito apenas por especialistas, aqueles que têm repertório e estudam a matéria. O professor Voltaire Schilling comete, porém, erros graves no artigo publicado ontem em ZH, os quais comprometem sua argumentação. Apresenta como se fossem iguais obras de naturezas diferentes. Nenhuma das que ele menciona corresponde ao que ele pretende: entulhos deixados em Porto Alegre porque não se tinha destino melhor para eles, como se fossem carros alegóricos abandonados após o Carnaval. O historiador confunde, por exemplo, esculturas que são frutos de concursos públicos promovidos pela prefeitura (na mesma linha dos concursos que se faz, por exemplo, para a construção de um prédio municipal, com edital, concorrência e banca de avaliação) e uma intervenção que está na cidade em caráter provisório, somente até o encerramento da atual edição da Bienal do Mercosul, no final de novembro.No mesmo artigo, o autor supõe que uma escultura em bronze, na orla do Guaíba, tenha sido destruída por “vileiros do Morro Santa Tereza”, os quais estariam “indignados” pela vizinhança com a “medonhice” da peça. Ora, levando ao pé da letra o que insinua o diretor do Memorial do Estado, poderíamos supor que um cidadão que não tenha apreço pelo Laçador estaria justificado se depredasse a famosa estátua. Lembro que a obra máxima de Antonio Caringi não é uma unanimidade. Críticos mais abalizados que eu já sublinharam que o Laçador nem sequer é a mais bem-sucedida representação do trabalhador campeiro que temos na Capital – essa seria o Gaúcho Oriental, do Parque da Redenção.Enfim, o próprio de cada obra de arte é que não exista consenso em torno dela. Os critérios de avaliação da arte são móveis, não estão fixos no tempo e no espaço. Nunca é demais lembrar que os impressionistas, hoje reverenciados, os Monet e os Manet que amamos tanto, foram largamente espinafrados pelo público e pela crítica de seu tempo.Quer dizer que Porto Alegre só tem obras belas e admiráveis em seus espaços públicos? É só questão de tempo que a gente venha a se apaixonar por elas? Depende de quem vê.
eduardo.veras@zerohora.com.br


ZH fez um mural de opiniões sobre o tema. Muita gente concorda com Voltaire. Outras não. Destaco a mensagem da artista plástica Clara Pechansky:

Não concordo. O direito à livre expressão em todas as formas de cultura já foi proibido em circunstâncias sinistras como o nazismo e o fascismo. Voltaire tem o direito de não gostar das esculturas da nossa cidade, algumas criadas por importantes artistas como Carlos Tenius (Parcão), Gustavo Nakle ("timão") e Saint-Clair (cuias). É perigoso, porém, invocar o Secretário da Cultura para removê-las: artistas têm direito de expressar suas ideias, ainda que não correspondam a padrões estéticos consagrados ou ao gosto de cada indivíduo.

4 comentários:

charlie disse...

Me dobrei rindo do artigo do Voltaire. Muito bom! Mas enfim, depois que o sujeito aquele resolveu colocar uma roda de bicicleta sobre um banco tudo foi aceito, desde então, como arte. E dizer que qualquer coisa é arte, me parece, é o mesmo que dizer que nada é arte.

Hoje poderíamos chamar isto de "democratização da arte": todos somos artistas. E a arte morreu.

Anônimo disse...

Eu não sei se sinto mais raiva das obras públicas ou dos monumentos de Porto Alegre.

Quando não é roda de carroça é bunda de cavalo.

Anônimo disse...

Como uma coisa como o laçador pode ser o símbolo de uma cidade? E a 'homenagem' a Elis no gasômetro, envergonha a todos e dá a entender porque ela foi embora.

Bruno disse...

Nunca tinha ouvido falar deste senhor Voltaire, não sou artista e muito menos crítico de arte, apenas um cidadão de Porto Alegre, e talvez por isso tenha me identificado com seu artigo. Quantas pessoas por dia passa pelo "Cuiódromo" e pensam como é que puderam deixar aquela bizonhice ser fixada na nossa cidade?

Por quê alguém é reprimido ou taxado de burro pelos ditos "intelectuais" por expressar sua opinião? E este senhor ainda á chamado de nazista... e alguns de seus críticos ainda citam como argumento a liberdade de expressão. E ele não tem o direito de se expressar?

Compartilho da opinião de que é realmente lamentável que obras tenebrosas como algumas citadas por ele, que não dizem nada estejam expostas por aí, e que os cidadãos não possam opinar sobre sua instalação.

Enfim, acho também lamentáveis algumas das poucas manifestações que li a respeito disso (não me refiro ao texto aqui escrito), e aquela entrevista à ZH também... certo, este senhor Voltaire fez muitas suposições a respeito das obras, mas não é preciso apresentar provas para achar uma destas obras horríveis, é?