Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Os Titulares e os Interinos da Província


É impressionante como a ZH gosta de ser provinciana. O RS é provinciano. A crônica abaixo é do Fabricio Carpinejar, publicada hoje no jornal, ele é tratado como "o interino". O titular é Luiz Fernando Veríssimo que está em férias. Muitas vezes o interino é melhor do que o titular.


Até 2012


Eu estaciono no mesmo lugar. Na Rua Tobias da Silva, para almoçar no Suzanne Marie.É quase automático. Tomo a vaga menos trabalhosa, de preferência perto de uma garagem, para não manobrar. E nem vem com essa de que homem tem que fazer baliza para mostrar sua habilidade. Baliza serve para treino de futebol e não há dia amistoso em minha vida. Acertei uma vez na autoescola e não pretendo arranhar meu feito.Sou ritualístico. Um pouco de improviso e me perco. Ao acender os faróis sem querer, não sei mais se fechei a casa direito, desliguei a cafeteira, recolhi as roupas, apaguei o gás. Um esquecimento acorda todos os possíveis extravios. Reabro casos arquivados da minha motricidade. Eu penso no que fiz e me dá medo de ter esquecido alguma coisa. Porque fazer é esquecer. Algo fora do programa e confio que errei todos os passos anteriores. Neurose? Sim, uma neurose habilidosa, graduada.Entre os atos habituais, deixo um troco para o guardador da rua na saída. Quando estou otimista (o que significa que não acendi os faróis), ofereço R$ 2. No azedume, busco uma moeda de R$ 1 e não puxo conversa.O flanelinha me trata sempre da mesma forma, com bom-dia e bom trabalho.Retribuo o bom-dia.Dependendo da paciência, comento sobre futebol, apesar de não descobrir para qual time ele torce, o que prejudica a passionalidade dos comentários.Mas naquela manhã retirei uma nota de R$ 2 da carteira, no impulso. Entreguei já com o pé na embreagem.Ele insistiu para que abrisse o vidro.“Será que está pedindo correção salarial?”, pensei. “Só o que falta é reclamar”, atropelei o primeiro pensamento.Deu dois toques na janela e falou:– Obrigado, meu irmão, Deus te abençoe e ilumine seu caminho, Deus possa retribuir a ajuda, minha família agradece, tenho dois filhos para criar, precisava mesmo comprar remédio e...Não parava sua lamúria contente. Não sei o que é pior: o agradecimento ou a reclamação. Óbvio que é o elogio. Da segunda, a gente tem como se defender.De cabelos cacheados e perflex na mão, o rapaz entrou em surto. Tive que acenar em movimento antes do fim de seu discurso.Suspirei, aliviado, ele realmente compreendia o significado do dinheiro, o quanto custava cada centavo. Voltei a acreditar na evolução da espécie.Segui meu dia, fui a uma festa de aniversário de noite. Durante a despedida dos amigos, no caixa, não encontrava a nota de R$ 100, somente a maldita de R$ 2. Escuro, embaçado pelo cigarro e bebida, cheguei a grudar a cédula em meus olhos como lente de contato para verificar se o azul de uma era o azul da outra. Não era e reprisei novamente o filme das últimas 12 horas e descobri que alcancei a grana para o guardador de carro, o que explicava sua euforia mística.Eu estaciono no mesmo lugar e não pago mais o flanelinha. Ele tentou se aproximar nesta semana. Arriscou uma súplica, tímida, abafada.– Hoje não tem nada?Respondi que não, nem hoje nem amanhã, a rua era minha até 2012.

3 comentários:

André da Rocha disse...

Dizer que Carpinejar é melhor que Veríssimo bira o ridículo.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Não acho que Carpinejar seja melhor que o Veríssimo. Fazer comparações é mesmo algo complicado. Essa crônica é boa.

Bípede Falante disse...

Do jeito que a ZH está não importa muito quem é o melhor, se o colunista ou o interino. Tem é de variar porque ridículo é a gente ler e reler todas as semanas os mesmos pontos de vista.