Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Brasil Um País do Futuro?


Por falar em Guerra no Rio. Por falar em Austríacos. Por falar em Copa e Olimpíadas. Por falar num Brasil melhor e possível.


Nem mito nem realidade


Nos dias que correm, não há como não nos lembrarmos de Stefan Zweig e de seu "Brasil - Um País do Futuro", publicado em 1941. Como se sabe, Zweig, um judeu austríaco, conheceu o Rio de Janeiro em 1936 e voltou com a mulher quatro anos depois, fugindo dos nazistas e abandonando uma Europa envolvida em sangrenta guerra motivada em parte por ódios raciais. O país o fascinara desde o primeiro encontro. Sobretudo, causou-lhe forte impressão a imensa salada étnica que viu nas ruas do Rio de Janeiro. Esse impacto inicial não esmoreceu até sua morte e a da mulher, em Petrópolis (RJ), em 1942. Ele refletiu-se com nitidez no apanhado que fez da história brasileira no primeiro capítulo do livro. Os fatos são tirados dos manuais conhecidos. Mas o viés da narrativa é o mesmo do livro do conde Affonso Celso, "Por Que Me Ufano do Meu País", publicado em 1900. O povo brasileiro seria dotado de um caráter congênito em que sobressairiam a tolerância, sobretudo a racial, o espírito de conciliação, a tendência à solução pacífica dos conflitos internos e externos. A essas qualidades se acrescentava o dom de uma natureza rica e generosa. Com tais atributos, o Brasil estava, segundo ele, destinado a apresentar ao mundo, sobre os escombros da Europa, um novo modelo de civilização. O Brasil era o país do futuro. O livro de Zweig inscreve-se em longa tradição nacional que vem alternando, em termos extremados, visões negativas e positivas de nosso povo. Os que só veem nele qualidades foram chamados de ufanistas, como Affonso Celso, ou, em linguagem popular, de "turma do oba-oba". Os que nele só enxergam mazelas foram estigmatizados por Nelson Rodrigues como vítimas do complexo de vira-lata. De fato, e para ficarmos apenas no período republicano, para cada Affonso Celso houve um Manuel Bomfim; para cada Oliveira Vianna ou Paulo Prado houve um Gilberto Freyre; para cada Raymundo Faoro houve um Darcy Ribeiro. Em contraste, sobre a terra houve unanimidade desde Américo Vespúcio: é grande, rica e bonita por natureza. Nosso motivo de orgulho nacional, pesquisas o demonstraram, passou a ser a natureza. Futebol e euforia Criou-se um paradoxo e uma frustração: como é possível que, com uma terra dessas, não consigamos construir um grande país, uma grande potência, como fizeram os Estados Unidos? Numa terra radiosa, vive um povo triste, sentenciou Paulo Prado em "Retrato do Brasil". O título do livro de Zweig transformou-se em ironia: somos, e seremos sempre, o país do futuro. Houve de vez em quando em nossa história surtos de euforia. Para não ir longe, o mais óbvio, ainda vivo na memória de muitos, foi o dos "anos dourados" de Juscelino Kubitschek [1956-61]. Combinaram-se vários fatores positivos: a inspiração de um presidente democrático, altas taxas de crescimento, uma explosão de criatividade na literatura, no cinema, nas artes e, principalmente, uma taça Jules Rimet. O que poderia ter sido o surto seguinte, nos anos 1970, com o alto crescimento, sonhos de Brasil grande potência e mais uma Copa do Mundo, foi abortado pela falta de liberdade. A seguir vieram longos anos de pessimismo, de vira-latismo. Sem milagres Desde o Plano Real vêm sendo construídas as condições para um novo surto. Trabalho e sorte acabaram por fazer ressurgirem os ingredientes clássicos: uma liderança presidencial inspiradora, uma economia em ordem, embora não tão dinâmica, um presente da natureza no pré-sal, uma Copa do Mundo em 2014, Jogos Olímpicos em 2016. Novos sonhos de Brasil grande, já adormecidos, renasceram na política externa. As condições internas e externas parecem mais favoráveis do que nunca para a decolagem. Há, no entanto, um grande inimigo da vitória sobre o vira-latismo: a invasão do oba-obismo. Nada está garantido. O crescimento econômico pode não deslanchar, a Copa e a Olimpíada podem fracassar, a abundância de petróleo pode transformar-se em maldição. Apesar de todas as grandes melhoras recentes, o país continua sendo campeão de desigualdades, apresenta níveis vergonhosos de escolaridade, instituições pouco confiáveis, cidades dominadas pela violência, depredação da fantástica natureza. Êxito mais duradouro desta vez dependerá de trabalho duro em todas as frentes reconhecidamente indispensáveis para a decolagem. Dependerá da ausência de oba-oba. Não haverá milagres. Nem pessimismo nem euforia levam a lugar nenhum. Melhor dito, levam apenas ao país do futuro. Não era certamente isso que Stefan Zweig pressagiava para nós.
Artigo do professor José Murilo de Carvalho, historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de "A Construção da Ordem/Teatro de Sombras" (Civilização Brasileira).
Caderno Mais! da Folha de ontem.

Um comentário:

Bípede Falante disse...

Talvez, a pergunta não seja a quem interessa a pobreza e sim a quem interessa a violência?