Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Os Monstros e o Perigoso Campo da Subjetividade


Ainda sobre as "monstruosidades" de Porto Alegre, artigo de Paulo Amaral, a obra acima é dele, publicado hoje na ZH.


Sobre arte pública

Voltaire Schilling, amigo querido e admirado e uma das mentes mais brilhantes de nosso Estado, adentra, com seu texto “A capital das monstruosidades”, o perigoso campo da subjetividade na apreciação do universo das artes visuais. Por que, e como, classificar o que seja a arte “esteticamente válida”, ou ainda, passível de ser exposta em logradouros públicos? A pergunta, feita desde sempre, registra alguns momentos enigmáticos na História. Para citar um deles, refiro o Salão dos Recusados, de 1863, quando o Almoço sobre a Relva, de Manet, quebrando o rançoso ritmo acadêmico da pintura da época, não foi aceito para o Salão de Paris do mesmo ano. Tratava-se, então, de um quadro considerado escandaloso, quase incompreensível no universo habituado a uma figuração estética cômoda, a um establishment aristocrático e pretensamente religioso da sociedade francesa, que, pouco depois, num mea-culpa, render-se-ia aos novos e inevitáveis modelos de manifestações das artes visuais, e também da literatura, a exemplo de Madame Bovary, de Flaubert, e de Nana, de Émile Zola, autor de J’Accuse, importante manifesto de época em defesa do judeu Alfred Dreyfus, julgado e condenado precipitadamente.Meio século depois, Hitler mesmo, em sua cruzada estética, baniu, dentre outras, a escola cubista, da qual Picasso, com sua magistral Guernica, emergiu como o maior talento artístico do século 20. E por aí vamos num rosário de mudanças que os tempos sempre reclamam.Voltando aos nossos pagos, e analisando o conjunto de obras que Voltaire critica com verve apaixonada, vejo em sua crítica, sobretudo aquela relativa ao monumento situado no Parcão, uma reprimenda extemporânea à burguesia que encomendou ao então jovem e já consagrado artista Tenius uma das obras que caracterizam nossa cidade, assim como outra belíssima, o Monumento aos Açorianos, do mesmo autor, esta comissionada pelo poder público, e que Voltaire, felizmente, não refere em seu texto crítico. Com relação ao Timão, obra do genial Gustavo Nackle, Voltaire se ressente de que no lugar dela não esteja um busto próprio do Classicismo que, embora enterrado há anos, será para sempre referência no desenvolvimento da arte de todos os tempos, os idos e os futuros.A arte é assim, ela copia, porém sempre de forma renovada. Não trata da captação de modelos óbvios, mas, muito antes, da exacerbação do imaginário, daquilo que não foi criado, da mensagem nova. As Bienais – e aqui estamos diante de mais uma delas – não valem pela consagração do feito, mas pela contestação do status quo, do que foi ontem e não mais pode significar hoje. Num mundo crivado por interrogações, dentre as quais a que afligia Gauguin – “Quem somos, de onde viemos e para onde vamos ?” –, é impossível a inércia do pensamento, e a arte nova, se pudermos chamá-la assim, cumpre o papel de ornar o inevitável percurso do pensamento contemporâneo. Se o Direito Penal, citando as palavras de Schilling, não se preocupou em classificar como criminoso hediondo quem de propósito fabricasse a feiura, é porque nunca pôde – como nunca poderá – frear os desígnios da criação da arte em sua plena liberdade.


Um comentário:

charlie disse...

O problema de usar humor nestes dias é que as pessoas não conseguem não interpretar literalmente aquilo que é escrito. O tal Voltaire escreveu um texto cômico e divertido, indignado por certo e com um crítica aguda, mas que poucos entenderam desta forma.

Humor é coisa para poucos.