Charge do Humberto.
Todos iguais
O vereador Carlos Apolinário, dos autointitulados “democratas”, é líder dos evangélicos de São Paulo. Trata-se de um tipo polêmico. Entre suas propostas de lei estão a criação do Dia do Orgulho Heterossexual, a proibição da parada GLS na Avenida Paulista e outras questões que tais.
Indagorinha, esta semana, estive a poucos metros do vereador, num encontro promovido pelo PT de São Paulo em apoio à candidatura de Dilma Rousseff à Presidência. Fui à Pauliceia para preparar um perfil do vice de Dilma, Michel Temer.
Apolinário compunha a mesa que dirigia a reunião. Foi chamado a discursar. Ergueu-se, os cabelos de um negro tisnado bem esticados no crânio, submetidos à força de gel. Microfone em punho, vociferou contra José Serra, “esse ateu que agora vem falar em Jesus!”.
Aplaudiram-no Mercadante, detrás do frondoso de seu bigode; Martha Suplicy, detrás da esquisitice do seu botox; o ator Sérgio Mamberti, detrás do venerando da sua barriga; e José Genoino, detrás de toda a assistência, no fundo da sala, de pé, quase anônimo. Além, é claro, de tantos outros militantes de vários partidos e tendências.
Lembrei-me de antigas reuniões do PT que cobri. Nelas volta e meia ouviam-se disparates, mas seria impensável um discurso do jaez do vereador Apolinário, sobretudo por ser ele dos autoproclamados “democratas”.
Nessa reunião, a estrela era Michel Temer. Que, todos sabem, é presidente do PMDB. O adversário dele e de Dilma, o imputado ateu José Serra, é do PSDB, que foi arrancado das vísceras do PMDB. Por sinal, parte do PMDB apoia Serra. Que também é apoiado por parte dos autoatribuídos “democratas” de Apolinário.
Aliás, há dois dias assisti a um debate em que ponteavam o antigo comunista Roberto Freire e a atual comunista Manuela D’Ávila, ele agora serrista, ela agora dilmista.
Todo mundo pode apoiar todo mundo nessa eleição. Nada a estranhar. Não há diferença entre um e outro. Dilma e Serra são quase iguais. Ambos dignos, ambos com propostas semelhantes, ambos sem projeto.
Mas se fossem muito diferentes, se apresentassem propostas discordantes, o que aconteceria com seus apoios?
Lhufas. Continuaria tudo igual.
Porque os partidos políticos brasileiros não têm projeto de país. Foram forjados na luta pela democracia, essa era a sua bandeira. Alcançada e consolidada a democracia, foi extirpada dos partidos a sua espinha dorsal ideológica. Viraram moluscos.
O PT, até porque surgiu no entardecer da ditadura, foi o último partido autêntico do Brasil. Não que tivesse um projeto; tinha postura. O PT se legitimava pelo que não era. Pela sua não aceitação de certas condutas. Lula passou por cima do PT, tornou-se maior do que o partido e o transformou numa massa disforme como são os outros. Hoje está tudo tão igual...
Nesta eleição, o que está em jogo não são ideias. São cargos. Seja quem for o novo presidente, o Brasil continuará movendo-se como se move. Talvez não exatamente à deriva. Mas certamente sem saber aonde quer chegar.
Artigo de David Coimbra na ZH de hoje.
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