Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 17 de junho de 2008

As Ilusões Perdidas - Boris Fausto


Tornou-se banal, nos dias que correm, utilizar o título de uma obra de Balzac para sintetizar as inclinações da nossa sensibilidade com relação à esfera pública. De fato, são muitas e muitas nossas ilusões perdidas, em maior ou menor escala. Trocando em miúdos, as grandes revoluções do século 20, depositárias de tantas esperanças, deram no que deram. A Revolução Russa desembocou no stalinismo, e a queda do regime redundou na ascensão econômica de uma oligarquia de rapina e num Estado em que as características autoritárias vieram a prevalecer. A revolução chinesa, depois de um cortejo de violências, com destaque para os anos da chamada Revolução Cultural, desembocou no "socialismo de mercado", que tem muito de mercado e nada de socialismo, embora seja instrumento bastante eficaz na transformação da China em potência global. Em terras mais próximas de nós, a Revolução Cubana se transformou num arcaísmo, como num arcaísmo redundou a guerrilha das Farc na Colômbia, na palavra insuspeita de seu protetor, o errático presidente da Venezuela, Hugo Chávez, para dizer o menos. Apesar de tudo, ouso afirmar que as ilusões perdidas não devem nos conduzir à desorientação, dado o surgimento de valores tidos no passado como meras ferramentas instrumentais e a emergência de temas e movimentos sociais de novo tipo. Ao menos no mundo ocidental, estamos trilhando um caminho positivo, não obstante as marchas e contramarchas, as iniqüidades sociais, os riscos e as incertezas. Em resumo, não nos encontramos diante do fim da história, mas de uma outra história, que não cancela o passado, mas dele se distingue profundamente. A chave dessa outra história é a expansão do regime democrático, abrangendo eleições, rotatividade no poder, liberdade de expressão e igualdade de direitos como elementos principais. Tomo como implícitos os inúmeros problemas da consolidação da democracia, de representação, de efetiva participação da cidadania etc. Mas, admitidos esses problemas, o fato é que o regime democrático, nos últimos decênios, expandiu-se no mundo ocidental, em contraste com um passado não só anterior à Segunda Guerra Mundial mas também com os anos que se seguiram ao conflito. A afirmação da igualdade de direitos das pessoas, que se diferenciam pelo gênero, pela cor, pelas preferências sexuais, como componente inseparável da democracia ganhou também relevância sem paralelo. Não estamos, é certo, diante de um mundo róseo, bastando lembrar, para complicar a paisagem, a crescente xenofobia em países da Europa ocidental. Mas, para além desse quadro paradoxal, por resultar em boa medida da atração imigratória exercida pela União Européia e pela porosidade legal das fronteiras, a igualdade inscrita nas Constituições e nas leis vem, gradativamente, saindo do papel. Tomando o exemplo do Brasil, o reconhecimento dos direitos dos homossexuais representa um avanço impressionante num país em que a homossexualidade constituía uma perversão inconfessável há não muito tempo. Mais ainda, seja qual for a opinião das pessoas sobre ações afirmativas em favor de negros e índios, o certo é que o preconceito racial no Brasil passou a ser discutido em todas as suas dimensões como uma questão específica que não se confunde simplesmente com a desigualdade social. Para além dos princípios básicos da ordem democrática, cabe lembrar a questão ambiental. Aí é forçoso reconhecer que a inércia ou a velocidade das ações predatórias, conforme o caso, são muito maiores do que as ações positivas de governos e da sociedade, apesar do palavreado dos discursos. Mas a temática da sobrevivência da humanidade entrou na ordem do dia, a tal ponto que, hoje, a crença no desenvolvimento a qualquer preço já não pode ser afirmada abertamente, tal a gravidade dos problemas. Por último, faço uma referência ao cenário das relações internacionais, em que ocorrem atos de terrorismo localizado e guerras também localizadas, com um impacto terrível sobre as populações civis. Mas não há, no horizonte do provável, uma ameaça de conflito nuclear mundial, como enfrentamos nos tempos da Guerra Fria. Para que não se diga que estou embalado num otimismo irrealista, ressalvo que essas considerações devem ser temperadas com doses de várias dúvidas. Mas com a ressalva de que as dúvidas, como antípodas das certezas, também fazem parte das virtudes do presente.


BORIS FAUSTO , historiador, é presidente do Conselho Acadêmico do Gacint (Grupo de Análise da Conjuntura Internacional) da USP. É autor de, entre outras obras, "A Revolução de 30" (Companhia das Letras). Artigo publicado na Folha de hoje.

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