Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 16 de junho de 2008

Belluzzo


Recomendo a leitura da entrevista de Luiz Gonzaga Belluzzo para o Kennedy Alencar na Folha de hoje.



FOLHA - O maior problema da nossa economia é a inflação ou o câmbio valorizado?

LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO - Os dois. A valorização do câmbio reflete um equívoco intertemporal, palavra feia, da política monetária. Quando ocorreu a grande melhoria do cenário externo, o Brasil deveria ter baixado os juros mais do que baixou para impedir que o câmbio se valorizasse tanto. Hoje, é um problema pensar numa desvalorização cambial porque estamos no meio de um choque de commodities.
FOLHA - Agora estamos elevando uma taxa de juros real, a mais alta do planeta, por causa da inflação.

BELLUZZO - Exatamente. Estamos nessa situação porque o passado importa, ao contrário do que dizem os economistas. Há países em situação pior por conta da maior vulnerabilidade ao choque de commodities. Não podemos separar os fatores internos e externos. É claro que há um choque externo que pega a economia num momento de grande aceleração da demanda, e isso tem efeitos para contaminar o resto dos preços. É só olhar o núcleo da inflação. A inflação cheia está se acelerando, mas o núcleo também está.
FOLHA - O que é o núcleo?

BELLUZZO - Excluem-se os preços mais voláteis, como energia e alimentos. Com a demanda acelerada, a inflação começa a se espalhar pelo sistema de preços como um todo.
FOLHA - Há descoordenação entre as políticas fiscal e monetária? O BC precisa ser mais rigoroso ao elevar os juros para compensar um esforço fiscal aquém do necessário agora?

BELLUZZO - Houve custos fiscais com a política monetária. É preciso reequilibrar o jogo. É preciso o mínimo de compatibilidade entre as políticas fiscal e monetária. Por conta do passado, tem um pé que está faltando. Armínio Fraga [ex-presidente do BC] sugeriu regra de crescimento do gasto público. Se o PIB cresce a 5% ao ano, o gasto público cresceria até 2%, 2,5%. Estou de acordo.
FOLHA - O sr. participa de reuniões com Lula na qualidade de conselheiro. Por que ele não adota essa regra?

BELLUZZO - Foi sugestão sensata do Armínio, mas não foi discutida por nós. Falamos no aumento do superávit primário. A regra do Armínio é menos rigorosa do que recomendamos eu, o Delfim Netto [economista e ex-deputado federal], o Luciano Coutinho [presidente do BNDES] e o Guido [Mantega, ministro da Fazenda].
FOLHA - Existe a equipe econômica do B? Como são as reuniões de conselheiros econômicos com Lula?

BELLUZZO - Não existe equipe econômica do B. O Guido Mantega e o Henrique Meirelles [presidente do BC] estão lá presentes. Eles muitas vezes contestam veementemente o que a gente diz. O debate é assim mesmo. É preciso aprender a ter as suas idéias contestadas. No Brasil, o sujeito fica irritado quando alguém discorda dele. As reuniões são informais. Quando uma pessoa dá uma cavalada na outra, Lula pede para parar. Ele ouve muito. A discussão é aberta. Cada um fala o que acha. A Dilma [Rousseff, ministra da Casa Civil] vai quando pode. O Ciro [Gomes, deputado federal pelo PSB do Ceará] e o Aloizio Mercadante [senador do PT paulista] também.
FOLHA - A descoordenação das políticas fiscal e monetária legará bomba-relógio ao sucessor de Lula?

BELLUZZO - Não, pelo seguinte: o Lula tem uma peculiaridade. Ao contrário de outras personalidades, ele não tem medo de olhar a dificuldade de frente. Reconhece que é uma situação difícil. Ele disse: "Vamos nos antecipar para impedir que a situação chegue a um ponto irreversível". O Lula sabe que a inflação pega em cheio as classes menos abastadas porque viveu essa experiência na pele.
FOLHA - O governo elevou a meta de superávit primário de 3,8% do PIB para 4,3%. Nos bastidores, diz-se no governo que esse superávit pode chegar a 4,5% na gestão do caixa. BELLUZZO - Pode, mas não quero me meter na gestão do Guido [Mantega]. Ele já está suficientemente pressionado. Acho que pode chegar a 4,5%, sim. Dependerá da gestão. O que sugeri é que tem de ser mais de 4,3%.
FOLHA - Essa elevação do superávit amenizará a alta dos juros?

BELLUZZO - O choque inflacionário e sua disseminação não são de fácil administração. A inflação ficará acima do centro da meta, que é de 4,5% ao ano. [A elevação do superávit] será suficiente para impedir que [a inflação] saia do controle.
FOLHA - Qual será a inflação deste ano?

BELLUZZO - De 6%, 6% e pouco, mas é difícil prever com exatidão. O importante é manter a inflação dentro da margem de dois pontos percentuais [para cima ou para baixo, faixa para absorver imprevistos].
FOLHA - Que outras medidas, além de subir os juros, o BC pode tomar para combater a inflação?

BELLUZZO - O BC pode cuidar da velocidade da expansão do crédito. Não é apenas o gasto público que está crescendo rápido. O crédito no Brasil ainda é pequeno na comparação com outros países, mas a velocidade do crescimento é muito grande.
FOLHA - A idéia de um fundo soberano foi muito criticada por especialistas. Para alguns, dourou-se a pílula para elevar o superávit primário?

BELLUZZO - Se fosse isso, já estaria bom [risos]. Daqui a dois anos, o Brasil terá uma condição privilegiada por conta da sua dotação de recursos naturais, agora da descoberta do petróleo. O preço do petróleo provavelmente não se manterá nesse nível. Vai ficar num nível satisfatório para tornar rentável a exploração das reservas. O Brasil não poderá ser tolerante com a inflação nos próximos dois anos. Tem de olhar para a frente e fazer um sacrifício para a hora em que a economia mundial iniciar a recuperação.
FOLHA - Esse modelo atual de desenvolvimento não levará o país a ser menos industrializado e mais dependente do setor de commodities?

BELLUZZO - É a questão colocada por todo mundo com o mínimo de juízo. Não podemos virar a Arábia Saudita dos trópicos. Seria um desastre. Não há necessariamente uma oposição entre uma boa dotação de recursos naturais, exportador de commodities e industrializado. O exemplo maior são os EUA do século 19 para cá. Os EUA conseguiram porque nunca houve país mais protecionista, graças ao pensador da manufatura americana, Alexander... [falha a memória e Belluzzo diz em tom de ironia que está ficando com mal de Alzheimer] ... Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro dos EUA, foi morto num duelo porque era mulherengo [risos].
FOLHA - O cara era bom...

BELLUZZO - Bom... pensador [risos].
FOLHA - O resultado do PIB no primeiro trimestre, impulsionado pelo gasto público, não é literalmente uma bomba-relógio inflacionária?

BELLUZZO - Estão crescendo o gasto público e o consumo privado por causa do crédito. O crédito cresce numa velocidade muito maior do que o gasto público. É preciso uma gestão de demanda. Deixar as duas coisas crescendo tem impacto explosivo. Aí é bomba-relógio.
FOLHA - Que medida deveria ser adotada para limitar o crédito?

BELLUZZO - Cuidado com as regras prudenciais do sistema financeiro. O BC tem de propor um conjunto de regras para que o sistema bancário seja mais restrito ao conceder crédito.
FOLHA - O sr. sugeriu isso a Lula?

BELLUZZO - Sugeri, sim.
FOLHA - Concorda com a teoria de que o Brasil sofre uma "inflação importada", contra a qual a elevação dos juros não adiantaria nada?

BELLUZZO - Não dá para fazer uma separação entre inflação importada e inflação interna. São as duas coisas.
FOLHA - O BC, então, acertou ao subir juros para combater a inflação?

BELLUZZO - O BC tinha de se adiantar ao perceber que a inflação estava mudando de patamar. Mas eu disse ao Meirelles: o problema é que, se a taxa de juros estivesse a 8,5% ao ano, e ele subisse meio ponto e depois mais meio ponto, não seria criado diferencial tão grande que afetaria a taxa de câmbio. A taxa de juros estava errada, estava errada. Quando as condições externas ficaram muito favoráveis, a taxa de juros tinha de ter caído mais rapidamente.
FOLHA - O Meirelles respondeu?

BELLUZZO - Ele é democrático. Estávamos almoçando. Não contestou. Fez um meneio com a cabeça.
FOLHA - Meneio de concordância?

BELLUZZO - Não sei (risos).
FOLHA - Há risco de crise no balanço de pagamentos na gestão Lula?

BELLUZZO - Risco muito grande. Os mesmos fatores que contribuem para valorizar o câmbio contribuem para deteriorar o balanço de pagamentos.
FOLHA - Se houver crise no balanço de pagamentos, quais os efeitos?

BELLUZZO - Uma crise em geral é antecipada pelos mercados. Se acham que há risco, eles vão se mandar. No que se mandam, haveria um salto [desvalorização] no câmbio. Seria o pior dos mundos. Nos próximos meses, com a mudança de patamar inflacionário, um choque cambial seria a pior coisa. Poderia haver inflação descontrolada.
FOLHA - A crise dos EUA resultará em perda de poder daquele país?

BELLUZZO - A solução dos problemas atuais não será feita sem a presença importante dos EUA. Os EUA vêm empurrando para o mundo uma crise desde os anos 70. O mundo tinha de se ajustar a eles. Agora, é mais complicado. Os EUA vão ter de negociar. Não conseguirão impor o ajuste ao mundo.
FOLHA - Como China, Índia e Europa reagirão à crise dos EUA e qual espaço ocuparão no futuro?

BELLUZZO - São e serão protagonistas mais importantes do que já foram. Boa parte do sistema manufatureiro dos EUA, com suas empresas, está no exterior. Os EUA têm o núcleo inovador da indústria. Continua ali. Mas, ao mesmo tempo, haverá maior partilhamento entre os países. A economia mundial tem outra estrutura. Houve mesmo uma globalização produtiva.
FOLHA - O BNDES deve atuar em negócios como a compra da Brasil Telecom pela Oi? BELLUZZO - Deve. Uma das funções de um banco de desenvolvimento é estruturar empresas nacionais com capacidade de competição no exterior.
FOLHA - O caso Varig não é exemplo de que o governo Lula interfere em demasia nos negócios privados?

BELLUZZO - São os negócios privados que interferem nos Estados nacionais. É uma velha hipocrisia liberal achar que o Estado se mete na economia. É a economia que se mete dentro do Estado. Se houve favorecimento [no caso Varig], é outra questão, mas o Estado acaba sendo chamado a interferir. Pergunte a um grande empresário o que ele faz quando tem um problema. Bate à porta do governo. O governo deve ter regras do que pode ou não pode atender.
FOLHA - O sr. assinou um manifesto de apoio a Serra em 2006, quando ele aventou concorrer a presidente. Quando o PSDB optou por Alckmin, o sr. apoiou Lula. Por quê?

BELLUZZO - Porque acho que são mais parecidos do que diferentes [Serra e Lula]. O Serra tromba com os problemas, como o Lula faz. É uma virtude. Assinei o manifesto porque, naquele momento, do ponto de vista da política econômica, o Serra seria mais conveniente para o Brasil. E, depois, o Lula se mostrou mais conveniente.
FOLHA - O sr. faz ponte entre Serra e Lula, que parecem mais próximos do que no 1º mandato do petista?

BELLUZZO - Não tenho essa pretensão, mas garanto que nunca falei mal de um para o outro. Ao contrário. Acho que serão adversários políticos, mas não acho que serão inimigos.

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