Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 16 de junho de 2008

Identidade e Violência - Amartya Sen


O economista indiano Amartya Sen é uma das grandes cabeças do nosso tempo. Li dele "Desenvolvimento como Liberdade". Recentemente ele editou o Livro Identidade e Violência que parece abordar o perigoso reducionismo em torno da identidade, situação que gera violência. E tal fenômeno sociológico está presente nas relações dos nossos dias. A diversidade cultural e política é uma realidade e a tentativa de enquadrar tudo e todos em certos ícones inflexíveis. Na verdade, as pessoas podem pertencer a diversas categorias ao mesmo tempo. Mas essa diversidade política, cultural, religiosa é pouco entendida nos nossos dias, por conta da generalização do pensamento rígido e reducionista. Assim, Fulano é neoliberal, porque sua origem é burguesa e votou no PSDB. Beltrano é socialista, porque militou no movimento estudantil e votou no PT e Ciclano é conservador porque é católico e é contra o aborto.


Sobre Identidade e Violência de Amartya Sen

Antônio Cícero

No livro "Identity and Violence" ("Identidade e Violência"), o economista indiano Amartya Sen, detentor do Prêmio Nobel, chama atenção para os perigos da chamada "política da identidade".
Esta consiste em reduzir, para fins políticos, os seres humanos a membros de exatamente um grupo: seja de um sexo, de uma etnia, de uma nacionalidade, de uma classe social, de uma cultura, de uma religião etc.
Quando criança, Sen testemunhou a violência dos conflitos entre hindus e muçulmanos, nos anos 40, em que "os seres humanos complexos de janeiro subitamente se transformaram nos impiedosos hindus e nos ferozes muçulmanos de julho", o que resultou na morte de centenas de milhares de pessoas.
Os "artífices do ódio" que lideraram a carnificina haviam induzido as pessoas a pensarem nos membros da sua própria comunidade como apenas hindus e nos membros da outra comunidade como apenas muçulmanos, e vice-versa.
Contra a política da unidimensionalidade identitária, Sen defende o poder das identidades competitivas."Posso ser ao mesmo tempo", diz, no que é sem dúvida uma auto-descrição, "asiático, cidadão indiano, bengali com ancestrais de Bangladesh, residente americano ou britânico, economista, filósofo amador, escritor, sanscritista, alguém que crê fortemente no secularismo e na democracia, homem, feminista, heterossexual, defensor dos direitos gays e lésbicos, praticante de um estilo de vida não-religioso, de background hindu, não-brâmane, descrente em vida depois da vida (e, caso interrogado, descrente em vida antes da vida também)". E complementa: "Isso é apenas uma pequena amostra das diversas categorias às quais posso simultaneamente pertencer".De fato, muitas das teorias de cultura e civilização em voga no mundo de hoje convidam as pessoas a se verem em termos de uma única identidade. Sen se refere, em particular, por um lado, ao comunitarismo, que privilegia a identidade comunitária acima de todas as outras, e, por outro lado, às teses de Samuel Huntington sobre o pretenso conflito das civilizações.


Quanto ao comunitarismo, Sen pensa que, embora tenha surgido como uma tentativa de considerar os seres humanos de modo mais concreto e social, tende hoje, de modo insustentável, a considerar os seres humanos como, principalmente, membros de exatamente um grupo.Já Huntington, partindo do princípio de que "de todos os elementos que definem as civilizações, o mais importante geralmente é a religião", acaba caindo numa unidimensionalidade identitária que, como todas, só se pode afirmar às custas da violentação dos fatos.
Assim, por exemplo, Sen observa que, Huntington, ao descrever a Índia como uma "civilização hindu", ignora a importância do fato de que, excetuando-se a Indonésia e, marginalmente, o Paquistão, a Índia tem mais muçulmanos do que qualquer outro país do mundo.Assim também, tentando confinar o pensamento dos membros de cada civilização nos marcos de uma identidade específica, finita, reificada, Huntington chega ao ponto de pretender que "as idéias de liberdade individual, democracia política, império da lei, direitos humanos e liberdade cultural são idéias européias, não idéias asiáticas, nem africanas, nem do Oriente Médio". Por detrás de tais pretensões se encontra, sem dúvida, o pressuposto implícito de que a razão crítica pertence à "civilização ocidental".Contra tal pressuposto, Sen cita o fato de que, já em 1590, o imperador indiano Akbar, muçulmano, afirmava que a fé não pode ter prioridade sobre a razão, argumentando que é por meio da razão que cada um deve justificar -e, se necessário, rejeitar- a fé que herdou.Ademais, tendo sido atacado pelos tradicionalistas, favoráveis à fé instintiva, Akbar afirmou que a necessidade de cultivar a razão e rejeitar o tradicionalismo é tão patente que não necessita de argumentação, pois "se o tradicionalismo fosse certo, os profetas teriam apenas seguido os mais velhos (e não teriam apresentado novas mensagens)".É a identidade racional de Akbar que aqui prevalece sobre a sua identidade muçulmana e tradicional: o que prova que Sen tem razão ao afirmar que somos consideravelmente livres para decidir o grau de prioridade que a cada momento atribuímos a cada uma das identidades que simultaneamente possuímos.Parece-me auspicioso que justamente um oriental tenha escrito uma obra capaz de funcionar como um poderoso antídoto contra as tendências irracionalistas do pensamento ocidental contemporâneo.

Artigo puclicado na Folha do último sábado

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