Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 9 de março de 2010

A Informação Delinquente

Rei Gezo de Daomé, verdade seja dita, doa a quem doer, os africanos também eram traficantes de escravos.

Gosto dos artigos do Demétrio Magnoli. Ele bota o dedo na ferida e acusa a delinquência. Ele não tem medo de certas falsidades e cinismos que envolve o pensamento politicamente correto. A informação  delinquente, infelizmente, é uma realidade no Brasil de hoje, em todos os espaços da mídia.  O vivente tem hoje de tomar um cuidado extremo no que diz. Vejam o que aconteceu com o senador Demóstenes Torres do DEM/GO que disse uma verdade histórica: os africanos cooperaram com a escravidão. Mas a malta politicamente correta, para angariar dividendos obscuros, distorce a afirmação. Simples como água morna, troca-se a palavra "africano" e coloca-se "negro". E depois se faz um artigo para ser divulgado na mídia com o título: "DEM corresponsabiliza negros pela escravidão". Se isso não é má fé, o que é má fé?
Recomendo a leitura do artigo abaixo que está na Folha de hoje.

O jornalismo delinquente


As pessoas,  inclusive os jornalistas, podem ser contrárias ou favoráveis à introdução de leis raciais no ordenamento constitucional brasileiro. Não é necessário, contudo, falsear deliberadamente a história como faz o panfleto disfarçado de reportagem publicado nesta Folha sob as assinaturas de Laura Capriglione e Lucas Ferraz ("DEM corresponsabiliza negros pela escravidão", Cotidiano, 4/3).


A invectiva dos repórteres engajados contra o pronunciamento do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) na audiência do STF sobre cotas raciais inscreve no título a chave operacional da peça manipuladora.


O senador referiu-se aos reinos africanos, mas os militantes fantasiados de repórteres substituíram "africanos" por "negros", convertendo uma explanação factual sobre história política numa leitura racializada da história.


Não: ninguém disse que a "raça negra" carrega responsabilidades pela escravidão. Mas se entende o impulso que fabrica a mentira: os arautos mais inescrupulosos das políticas de raça atribuem à "raça branca" a responsabilidade pela escravidão.


Num passado recente, ainda se narrava essa história sem embrulhá-la na imaginação racial. Dizia-se o seguinte: o tráfico atlântico articulou os interesses de traficantes europeus e americanos aos dos reinos negreiros africanos. Isso não era segredo ou novidade antes da deflagração do empreendimento de uma revisão racial da história humana com a finalidade bem atual de sustentar leis de divisão das pessoas em grupos raciais oficiais.


Demóstenes Torres disse o que está nos registros históricos. Os repórteres a serviço de uma doutrina tentam fazer da história um escândalo.


O jornalismo que abomina os fatos precisa de ajuda. O instituto da escravidão existia na África (como em tantos outros lugares) bem antes do início do tráfico atlântico. Inimigos derrotados, pessoas endividadas e condenados por crimes diversos eram escravizados. A inexistência de um interdito moral à escravidão propiciou a aliança entre reinos africanos e os traficantes que faziam a rota do Atlântico. Os empórios do tráfico, implantados no litoral da África, eram fortalezas de propriedade dos reinos africanos, alugadas aos traficantes.


O historiador Luiz Felipe de Alencastro, convocado para envernizar a delinquência histórica dos repórteres ("África não organizou tráfico, diz historiador"), conhece a participação logística crucial dos reinos africanos no negócio do tráfico. Mas sofreu de uma forma aguda e providencial de amnésia ideológica ao afirmar, referindo-se ao tráfico, que "toda a logística e o mercado eram uma operação dos ocidentais".


Os grandes reinos negreiros africanos controlavam redes escravistas extensas, capilarizadas, que se ramificavam para o interior do continente e abrangiam parceiros comerciais estatais e mercadores autônomos. No mais das vezes, a captura e a escravização dos infelizes que passaram pelas fortalezas litorâneas eram realizadas por africanos.


Num livro publicado em Londres, que está entre os documentos essenciais da história do tráfico, o antigo escravo Quobna Cugoano relatou sua experiência na fortaleza de Cape Coast: "Devo admitir que, para a vergonha dos homens de meu próprio país, fui raptado e traído por alguém de minha própria cor". Laura e Lucas, na linha da delinquência, já têm o título para uma nova reportagem: "Negros corresponsabilizam negros pela escravidão".


O tráfico e a escravidão interna articulavam-se estreitamente. No reino do Ndongo, estabelecido na atual Angola no século 16, o poder do rei e da aristocracia apoiava-se no domínio sobre uma ampla classe de escravos.


No Congo, a população escrava chegou a representar cerca de metade do total. O reino Ashanti, que dominou a Costa do Ouro por três séculos, tinha na exportação de escravos sua maior fonte de renda. Os chefes do Daomé tentaram incorporar seu reino ao império do Brasil para vender escravos sob a proteção de d. Pedro 1º.


Em 1840, o rei Gezo, do Daomé, declarou que "o tráfico de escravos tem sido a fonte da nossa glória e riqueza".


Em 1872, bem depois da abolição do tráfico, o rei ashanti dirigiu uma carta ao monarca britânico solicitando a retomada do comércio de gente.


O providencial esquecimento de Alencastro é um fenômeno disseminado na África. "Não discutimos a escravidão", afirma Barima Nkye 12, chefe supremo do povoado ganês de Assin Mauso, cuja elite descende da aristocracia escravista ashanti. Yaw Bedwa, da Universidade de Gana, diagnostica uma "amnésia geral sobre a escravidão".


Amnésia lá, falsificação, manipulação e mentira aqui. Sempre em nome de poderosos interesses atuais.
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DEMÉTRIO MAGNOLI, sociólogo, é autor de "Uma Gota de Sangue - História do Pensamento Racial" (SP, Contexto, 2009).

7 comentários:

PoPa disse...

Não se trata sequer do politicamente correto, já que é uma mentira total e completa. Os negreiros ocidentais não se aventuravam África adentro, negociando no litoral com negreiros negros. No meu tempo de guri, se ensinava isso e nunca se disse que a escravidão era menos vergonhosa por isso.

Tem também outro fator relevante. Nem todo branco de hoje é descendente de donos de escravos. Pelo contrário, era uma elite de poucos. Imigrantes italianos, japoneses, franceses, holandeses, que fizeram tanto por este país, aqui vieram e aqui trabalharam sem escravos, passando trabalho e sendo discriminados pelos aristocratas de então. Eles estão pedindo reparação?

O que precisamos nestepaís, é um ensino fundamental e médio de qualidade, para acabar com as cotas da maneira mais inteligente: ensinando os pobres corretamente. E a universidade pública não deveria ser gratuita, mas paga após a conclusão do curso, com trabalho comunitário, social ou seja lá que que quiserem. Com isso, filhinhos de papai não iriam querer a universidade pública e os pobres ou os da classe média, já teriam um inicio de carreira....

charlie foxtrot disse...

A indústria escravagista dos séculos XVII a XIX nunca teria sido possivel sem a cooperação de africanos. A instituição já era bem estabelecida no continente e os europeus apenas usufruíram do que já existia.

É um fato, gostem ou não os negros.

Teófilo disse...

A direção da Folha de S.Paulo, simplesmente, autorizou a um elemento estranho à redação (mas não aos diretores), o sociólogo Demétrio Magnoli, a chamar de “delinquentes” dois repórteres do jornal, autores de matéria sobre a singular visão do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) da miscigenação racial no Brasil. Vocês, não sei, mas eu nunca vi isso na minha vida, nesses 24 anos de profissão. Nunca. Por tabela, também o colunista Elio Gaspari, que desceu a lenha no malfadado discurso racista de Demóstenes Torres, acabou no balaio da delinquencia jornalística montado por Magnoli.

Das duas uma: ou a Folha dá direito de resposta aos repórteres insultados (Laura Capiglione e Lucas Ferraz), como, imagino, deve prever o seu completíssimo manual de redação, ou encerra as atividades. Isso porque Magnoli, embora frequente os saraus do Instituto Milleniun, não entende absolutamente nada de jornalismo e confundiu reportagem com opinião. A matéria de Laura e Lucas nada tem de ideológica, nem muito menos é resultado de “jornalismo engajado” (contra o DEM, na Folha??). A impressão que se tem é que houve falha nos filtros internos da redação e deixaram passar, por descuido ou negligência, uma matéria cujas conseqüências aí estão: o senador Torres, sujeito oculto da farsa do grampo montada em consórcio entre a Veja e o STF, virou, também, o símbolo de um revisionismo histórico grotesco, no qual se estabelece como consensual o estupro de mulheres negras nas senzalas da Colônia e do Império do Brasil.

A reação interna à repercussão de uma matéria elaborada por dois repórteres da sucursal de Brasília, terceirizada por Demétrio Magnoli, é emblemática (e covarde), mas não diz respeito somente à Folha de S.Paulo. O artigo “Jornalismo delinquente”, publicado na edição de hoje (9 de março de 2010), na página de opinião do jornal, nada tem a ver com políticas de pluralidade de opiniões, mas com intimidação pura e simples voltada para o enquadramento de repórteres e editores, e não só da Folha, para os tempos de guerra que se aproximam. A recusa de Aécio Neves em ser vice de José Serra deverá jogar o DEM, outra vez, no vácuo dos tucanos, a reviver a dobradinha iniciada entre Fernando Henrique Cardoso e o PFL, de triste lembrança. O imenso mal estar causado pela fala de Demóstenes Torres na tribuna d o Senado Federal, resultado do trabalho rotineiro de dois repórteres, acabou interpretado como inaceitável fogo amigo. Capaz, inclusive, agora, de a dupla de jornalistas correr perigo de empregabilidade, para usar um termo caro à equipe econômica tucana dos tempos de FHC.

Demétrio Magnoli, impunemente, chama a reportagem da Folha de S.Paulo de “panfleto disfarçado de reportagem”, afirmação que jamais faria, e muito menos a publicaria, sem autorização da direção do jornal, precedida de uma avaliação editorial e política bastante criteriosa. O fato de se ter permitido a Magnoli, um dos arautos da tese conceitualmente criminosa de que não há racismo no Brasil, insultar dois repórteres e o principal colunista da Folha, em espaço próprio dentro de uma edição do jornal, deixa a todos – jornalistas e leitores – perplexos com os rumos finais da velha mídia e de seu inexorável suicídio editorial em nome de uma vingança ideológica, ora baseada em doutrina, ora em puro estado de ódio racial e de classe.

guimas disse...

O artigo do Magnoli não tem nada a ver com ser ou nao politicamentee correto, como disse o Popa (é raro, mas ele escreveu algo com sentido ali em cima).

Os brasileiros escravizaram milhares de negros. Isto é fato. Se os negros foram "fornecidos" pelos "reinos africanos" (e nem todos foram, Luis Felipe de Alencastro alertou em seu artigo), ou por europeus, ou por árabes, isto é IRRELEVANTE ao simples fato de que os BRASILEIROS (ou portugueses) escravizaram estes negros.

Vou citar um artigo da Miriam Leitão:

"Pela tese do senador, eles exportaram, o Brasil importou. Simples. Aonde o crime? Tratava-se apenas de pauta de comércio exterior. Por ele, o fato de ter havido escravos na África; conflitos entre tribos; tribos que capturavam outras para entregar aos traficantes, e tudo o mais, que sabemos, sobre a história africana, isenta de culpa os escravizadores. Trazido a valor presente, se algumas mulheres são vítimas de violência dos maridos, isso autoriza todos a agredi-las. Ou se há no Brasil casos de trabalho escravo e degradante, isso permite aos outros povos que façam o mesmo conosco. Qual o crime? Se brasileiros levam outros brasileiros para áreas distantes e, com armas e falsas dívidas, os fazem trabalhar sem direitos, qualquer povo pode escravizar os brasileiros."

O argumento do Magnoli e do Demóstenes é tão fraquinho que merece ser esquecido como mais um tropeço.

Sugiro também uma lida nos dois últimos posts do NPTO.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Mas ninguém contestou o ponto central. As articulistas trocaram a expressão africanos por negro e escreveram um artigo. Isso é sim manipulação. O fato de ser ou não politicamente correto é discussão assessória. O que efetivamente importa é a realidade da época, o contexto dos fatos, escravidão, infelizmente, era algo comum, até Zumbi do Palmares tinha seus escravos no quilombo montado no interior de Alagoas.

guimas disse...

Não. O ponto da questão é justificar a negativa ao sistema de cotas usando o argumento que negros escravizaram negros. E os africanos de quem Demóstenes falou eram negros sim, ninguém teve dúvida quanto a isso. Quem está tentando passar um argumento policamente correto é quem acha que "africanos" e "negros" não podem ser usados como sinônimos no contexto do Demóstenes. Podem sim, e foi isso mesmo que ele quis dizer.

Vou passar por cima da insinuação de que a escravidão era comum na época e por isso deve ser relevada. Faz de conta que não li.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Guimas, eu sou favorável as cotas sociais, sou contra as cotas raciais, porque alimenta preconceito exatamente contra os negros. As cotas devem ser para os pobres que têm sim direito de frequentar as universidades públicas e gratuitas. O problema é que existem bons colégios públicos, como o colégio Militar de Porto Alegre que abocanha quase todas as cotas sociais. Essa é uma anomalia que tem de ser corrigida. O Brasil precisa investir é na boa qualidade do ensino público.
Não sou e nem pretendo ser defensor desse senador do Dem, mas o que ele disse de que alguns africanos (não estamamos generalizados) lucravam com a venda de escravos é fato comprovado na verdadeira história e não naquela maquiada pelas lentes distorcidas do politicamente correto. O Brasil tem que ir além nessa discussão e passar por cima de ressentimentos que não levam a lugar algum. Essa história de culpar o branco europeu, veja o que diz o Diário Gauche hoje, por todas as nossas mazelas é um absurdo. Por isso eu gosto do Mandela e do Obama, porque eles fazem política sem esse ressentimento e rancor. Somos sim todos iguais, ou, pelo menos, deveriamos ser e temos de almejar -- esse é o grande desafio -- uma certa igualdade (porque a absoluta não existe) e existem formas e formas de fazer isso. E a discussão deve continuar.