Diversidade, Liberdade e Inclusão Social
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sábado, 10 de abril de 2010
The Nei Lisboa Paradox
The Nei Lisboa Paradox
por Carlos Sul Duque, publicitário na ZH de hoje.
Muito se fala mal de Porto Alegre, do seu trânsito, dos seus administradores, dos seus habitantes, do seu clima, dos seus restaurantes, da sua violência, escolha você mesmo a chinelada que quer dar na cidade. É um esporte municipal falar mal de Porto Alegre.
Por mais que muita coisa seja verdade, é bom morar aqui. Mas dói. Um amigo meu, o Fabiano Goldoni, disse no aniversário da cidade que “É melhor viver com saudade do que viver aí”. Ele é publicitário, morou em Buenos Aires, está em São Paulo e traduz o sentimento de muita gente.
Mas sejamos sinceros: com todas as suas mazelas – e muitas delas são iguais em todo o Brasil –, Porto Alegre é uma cidade adorável, confortável e deliciosamente pequena. Eu gosto de morar aqui.
Mas a cidade tem uma relação muito cruel com o talento e a criatividade. E este é o paradoxo Nei Lisboa do título. Explico.
Nei Lisboa é um grande talento. Grande compositor, sujeito inteligente, porto-alegrino de quatro costados. Tem letras geniais. Tem canções que fazem parte da história da cidade. É um cronista afiado da vida urbana local, tem a ironia fina e o humor dos grandes artistas.
Em (quase) qualquer outro lugar do mundo Nei Lisboa seria rico. Seria muito mais importante do que efetivamente é para Porto Alegre. Mais reconhecido, mais consultado e mais homenageado. Um talento ímpar que resolveu permanecer na cidade, negou-se ao êxodo. Se ele fosse natural de Denver, Colorado, por exemplo, ou Marne-la-Vallée, na França, teria estátua.
Se fosse canadense, já haveria diversas coletâneas de homenagem à sua obra, com interpretações de K.D. Land, Neil Young, Cowboy Junkies e Leonard Cohen. Se fosse inglês, o chamaríamos de Sir Lisboa, ou Knight Nei. Se fosse argentino, sua imagem enfeitaria o altar central da Iglesia Neilisboniana.
Mas Nei Lisboa fez carreira em Porto Alegre, uma cidade que inexplicavelmente empurra muitos dos seus talentos para fora, sejam eles das artes, do jornalismo, da moda, da fotografia, da propaganda, da arquitetura, do futebol, tanto faz.
Para mim é um paradoxo. Um povo tão exigente, uma cidade com tanto potencial e esta arrogância ingênua de que o poço nunca vai secar, ou que os talentos vão continuar surgindo sem que haja talentos já experientes para orientá-los. E que os talentos que aqui permanecem, como o Nei Lisboa, vão viver de luz.
Toda vez que eu ouço o Nei, eu penso nisso. Penso em todos os meus colegas publicitários espalhados pelo Brasil e pelo mundo, nos músicos, nos atores, nos designers, nos talentos que a gente enche a boca para dizer que exportou. E que fazem tanta falta a esta cidade que eu amo.
Se eu pudesse dizer alguma coisa para eles, pediria que voltassem. Porto Alegre não tem dinheiro suficiente. Não tem oportunidades suficientes. Não tem teatros, ou cinemas de rua suficientes. Não tem incentivo oficial que baste. Mas tem o Nei Lisboa. Isto eu posso oferecer a vocês.
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3 comentários:
Não conheço nada da realidade de Porto Alegre, como confesso conhecer pouco da realidade do Brasil. Mas quase tudo o que diz sobre a forma como é tratado o talento aí, podia dizer-se também de Portugal. E provavelmente de muitos outros países. Acho que são realmente poucos os países que apoiam as artes e os artistas (em vida), num ciclo vicioso que, privando a população de maior contacto com a arte, e sobretudo dos maiores talentos que também daqui fogem muitos, não promove o interesse do público e emagrece o próprio mercado da arte, que é depois justificação para a crónica falta de verbas - não há público. É certo que há outros factores na equação, mas provavelmente já mais específicos de cada país, pelo que pouco posso acrescentar em relação ao seu texto. Mas posso acrescentar que não conhecia Nei Lisboa e gostei bastante da sonoridade. Obrigada.
Estrela, sempre fui um fã de Nei Lisboa que continua um eterno portoalegrense, como eu. Portugal e Rio Grande do Sul têm muito em comum, porque vivemos nos extremos. Portugal está no extremo oeste europeu e o RS no extremo sul do Brasil. Aqui era uma terra de ninguém, a fronteira ia e vinha de acordo com o dominador: os espanhóis, os portugueses, os bandeirantes de S. Paulo.
Eu adoraria morar em Porto Alegre, mas a falta de oportunidades profissionais me fez emigrar para um centro mais desenvolvido. Levo, no entanto, Porto Alegre no peito.
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