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Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 20 de abril de 2010

Vem Ai, o Liberal Nick Clegg


 Da esquerda para a direita, o liberal democrata Nick Clegg, o conservador David Cameron e o primeiro-ministro, o trabalhista Gordon Brown, durante o primeiro debate televisionado no Reino Unido. O desempenho de Nick Clegg foi o mais elogiado entre os candidatos.

O sucesso de Nick Clegg reforça a possibilidade de um governo de coalizão

O primeiro debate televisionado na história das eleições britânicas teve um efeito revolucionário que ninguém havia previsto. Ele foi ganho, sem discussão, pelo líder dos liberais-democratas, Nick Clegg, provocando um aumento imediato de suas expectativas de voto nas pesquisas. Caso se consolide, a inesperada ascensão do terceiro partido britânico ameaça deixar no limbo as aspirações do conservador David Cameron de conseguir a maioria absoluta nas eleições de 6 de maio e reforça a possibilidade de que o Reino Unido se veja ligado a um governo de coalizão, talvez entre liberais e trabalhistas, ou com um Executivo conservador minoritário.


Há três dias não se fala em programas eleitorais e ficou enterrada a discussão mais bizantina de se é preciso começar a cortar os gastos públicos agora ou se deve esperar um ano. A única coisa de que se fala é de Nick Clegg, da consistência ou não dos liberais-democratas, de se seu êxito será ou não passageiro e, sobretudo, como pode afetar o resultado final das eleições: vai prejudicar mais os trabalhistas ou os conservadores?
Uma pesquisa da YouGov publicada no fim de semana pelo jornal "The Sun" dá aos liberais-democratas 30% dos votos, um crescimento vertiginoso de 8 pontos. Outros estudos publicados hoje pela imprensa dominical confirmam a ascensão liberal. A da ComRes para "The Sunday Mirror": conservadores (31%), liberais (29%) e trabalhistas (27%). E a da ICM para "The Sunday Times": conservadores (34%), trabalhistas (29%) e liberais (27%).
Além da dúvida de se os liberais-democratas conseguirão manter esse nível, o problema é como se traduziria no Parlamento um resultado como esse, dado o peculiar sistema eleitoral britânico, com circunscrições de um escano a que se atribui o candidato mais votado, mesmo que não consiga a maioria dos votos.
Se se aplicar a essa pesquisa a ferramenta de cálculo de assentos da BBC (http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk_politics/election_2010/8609989.stm), o resultado, por mais surpreendente que possa parecer a um leitor espanhol, seria o seguinte: trabalhistas, 276 escanos; conservadores, 246; liberais-democratas, 99; outros candidatos, 29 escanos.
Em um país normal não haveria problemas para que trabalhistas e liberais formassem uma coalizão, que teria o apoio de 58% dos eleitores e uma confortável maioria: 375 assentos de um total de 650. Mas o Reino Unido não é um país normal. Não só não há tradição de governo de coalizão, como seria muito questionada a legitimidade do trabalhista Gordon Brown para continuar como primeiro-ministro com 28% dos votos, tendo ficado seu partido em terceiro lugar.
O problema para os tories é que mesmo que acabem conseguindo, por exemplo, 37% dos votos, os trabalhistas 30% e os liberais 24% - um resultado hoje muito verossímil -, trabalhistas e liberais-democratas continuariam somando a maioria absoluta de assentos e de votos.
Mas, como indicou um comentarista do pró-trabalhista "The Guardian", a onda liberal é boa para Gordon Brown... desde que não se transforme em um tsunâmi! Porque a partir de certo limite de voto conservador (cerca de 38%), quanto mais aumentarem os dos liberais mais assentos conseguem os conservadores às custas dos trabalhistas. Uma verdadeira confusão.
Nick Clegg obteve duas grandes vitórias no debate de quinta-feira: arrebatou de Cameron a bandeira da mudança e se transformou no centro de atenção da mídia, algo inédito em um país em que tories e trabalhistas monopolizam os noticiários. A partir de agora, os partidos rivais e a mídia vão analisar muito mais seu programa. Mas isso não é necessariamente ruim para ele, exatamente porque lhe permitirá continuar sendo o centro da atenção. Como diz o provérbio, que falem mal de mim mas falem. Não há nada mais perigoso para um político em campanha do que a indiferença.
Tories e trabalhistas meditam agora sobre qual é sua melhor estratégia para frear os liberais. Uma opção é atacar suas propostas econômicas. Mas seu porta-voz em assuntos do Tesouro, Vincent Cable, é muito mais popular que o chanceler do Exchequer de saída, o trabalhista Alistair Darling, e que o candidato conservador, George Osborne, um homem detestado pela City e com uma imagem de elitista ainda mais acentuada que a do líder tory, David Cameron. E as propostas econômicas dos liberais talvez não agradem, mas são as mais detalhadas dos três grandes partidos.
Os conservadores começaram a denunciar os perigos que representaria que não saia um governo forte das urnas em 6 de maio, mas as pesquisas indicam que os britânicos estão bastante tentados por essa opção, sobretudo devido ao desprestígio atual da classe política.
A outra possibilidade é que os conservadores tentem transferir o debate de campanha para dois aspectos particularmente arriscados do programa de Clegg: imigração e Europa. Ele propõe regularizar os sem-papéis que estejam há dez anos assentados no país, falem inglês e não tenham antecedentes penais graves. A proposta, que passou surpreendentemente despercebida na mídia britânica depois da apresentação do programa liberal, já começou a aparecer na imprensa mais próxima dos tories. Mas o voto liberal não se alimenta das classes operárias, mais reticentes à imigração. E a classe média pode na realidade estar bastante de acordo em que não só é operacionalmente impossível como economicamente contraproducente expulsar um milhão de ilegais que já se adaptaram ao país e que são necessários para a economia.
À margem dessa regularização, a única grande diferença em termos de imigração entre os três grandes partidos é que os conservadores querem estabelecer um limite anual de novos imigrantes. Mas essa ideia, que agrada ao eleitor médio, não atrai a classe empresarial, e os conservadores nem sequer se aventuraram a definir esse máximo, entre outras coisas porque a necessidade de imigrantes é tão aleatória quanto o crescimento econômico.
Os liberais são o partido mais pró-europeu, mas levar o tema da Europa para o centro da campanha foi historicamente tóxico para os conservadores, que correm o risco de favorecer os trabalhistas se recorrerem a um tema que não interessa aos eleitores.
Trabalhistas e conservadores salientaram nestes dias os perigos de outra proposta liberal, a de suprimir o caríssimo programa de dissuasão nuclear, Trident. Mas é uma proposta que encanta aos eleitores de esquerda e pode tirar, mais que somar, votos aos trabalhistas se insistirem muito nela.
Em política externa - que será o eixo do segundo debate eleitoral, na próxima quinta-feira - os liberais têm alguns bons trunfos, como o de ser o único partido que se opôs à guerra do Iraque. Eles adotaram as metas de conseguir que as tropas britânicas voltem do Afeganistão durante a nova legislatura, restrições à venda de armamentos, a investigação da participação britânica em casos de tortura e o fim do bloqueio a Gaza.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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